Pesquisador gaúcho defende dissertação de mestrado sobre potencial pedagógico das Drag Queens montado

Quem nunca passou por uma situação de nervosismo ao apresentar algum trabalho da escola, faculdade ou mestrado? Agora, imagine fazer a defesa do seu mestrado montado de drag queen. O pesquisador Iran Almeida Brasil, graduado em artes visuais, mestrando em Educação e Artes na Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, passou por isto e venceu. A sua defesa de dissertação em Educação e Artes, intitulada “Drag Queen: uma potência multipedagógica”, foi realizada em 21 de agosto, e o que parecia ser mais uma defesa, foi transformado em paixão e envolvimento pelo tema que foi abordado. 
 
Lili Safra é a personagem de Iran que venceu o Miss Drag Queen em 2013 e se apresenta em festas, teatro e eventos pelo Rio Grande do Sul. Com louvor, ele mostrou como o talento pode ser uma ferramenta de trabalho poderosa na Educação, principalmente para quebrar preconceitos. O pesquisador teve como orientador o Dr. Marcelo, que Iran não pode deixar de agradecer pelo suporte, paciência, dedicação e respeito pelo seu trabalho e pelo desafio de se jogar neste itinerário glamouroso. A defesa contou com a banca, sendo preenchida pela Prof.Dr. Marilda Oliveira de Oliveira, Prof. Dr. Mônica Bonatto e Prof. Dr. Márcia Paixão, e mais uma vez o pesquisador agradeceu por terem lido seu trabalho e por suas contribuições para pensar essa pesquisa e a figura da Drag Queen em outros cenários.  

Confira a entrevista exclusiva que fizemos com o Iran:

Qual o objetivo do trabalho, a escolha do tema?
Iran – Ao considerar a drag queen como um personagem que está sempre se construindo, transformando-se, percebo-a como uma figura que transita entre os gêneros masculino/feminino, esta não deixa de ser um “escape” às formas padronizadas (instituídas, estratificadas), de ser homem ou mesmo mulher. Então, a partir da experimentação e, por conseguinte, do interesse de entrelaçar questões de práticas pessoais e transformistas como drag queen. A escolha da temática drag queen se dá a partir de questões que acredito serem significativas e relevantes para a discussão sobre as diferentes possibilidades de ser sujeito/personagem no cotidiano, na docência e sua prática. Dito de outro modo, procuro pensar de que maneira a transformação do sujeito/drag queen e seu entorno podem se relacionar com a educação. Assim sendo, pretendo indagar no curso dessa investigação sobre as relações que são construídas entre a personagem drag queen e o sujeito que a constitui.

A presente proposta consiste, portanto, numa tentativa de compreensão da relação sujeito/personagem drag queen, de modo a refletir sobre esta figura no e meu cotidiano e suas potencialidades subjetivas e pedagógicas.

 
O que se obteve com a pesquisa como ensinamento?
Iran – Pensar a figura da drag queen metaforicamente contribuiu para  a escrita dessa dissertação possibilitando relações e reflexões com o campo educacional. Algumas indagações que permeiam a pesquisa: O que potencializa a figura da drag queen? Como esta figura pode ser jogada com a educação para pensar a docência? Que papel a figura da drag queen teve em minha experiência como professor? De que forma, esta figura pode ser pedagógica?
 
Minha prática pedagógica é movida pelo transformismo e já não é possível mais concebê-la como algo separado da tarefa de educar e de mim. Transformismo/drag queen e educação convivem, andam juntos neste processo caracterizado pelas vivências dentro e fora do ambiente educacional. 
 
Pensar a docência a partir da metáfora da figura da drag queen, é pensar esta figura como movente, que se monta com acessórios femininos, que se (des)monta, que não segue uma linearidade fixa, que faz a partir desta arte experimentar outras possibilidade no viver. Experimentar novas possibilidades, seguir outros caminhos, é pensar em algo que nos acontece, que esta sendo, em movimento. Enquanto artista/dragqueen/educador, penso a docência, sem forma fixa, sem normas, e sim num processo buscando encontrar possibilidades, desenhando caminhos, ir e vir, tentando escapar das “verdades absolutas”. A figura da drag queen potencializa experimentar outros caminhos, de sermos outros, de (re)inventar a si mesmo como sujeito/educador/artista, sem seguir uma receita, pois há inúmeras possibilidades de ser docente.
 
Lili por meio de suas performances, diversificadas, possui um papel problematizador – desnaturalizando o sujeito, os gêneros, (des)construindo as noções de masculino/feminino – possui também um papel pedagógico – o processo de aprendizagem da montagem drag, os métodos e truques da arte transformista, por exemplo, por meio do amadrinhamento drag, onde os princípios desta arte, as técnicas de maquiagem e comportamento são ensinados de “mãe” para filha. Em minha experiência como educador a figura da drag queen (Lili Safra) teve e tem um essencial papel em minha formação como sujeito/educador.
 
Mudou algo em sua concepção?
Iran – Mudou sim. Atualmente não penso só no glamour, luxo, carisma da figura da drag queen e sua importância enquanto uma figura de luta e afirmação. Penso-a em outros cenários. Transmitir uma mensagem sobre aquilo que acreditamos, seja ela pelo ato performático no palco ou pelas mídias como a internet, desconstruindo ou tentando desconstruir o pensamento de uma sociedade enraizada em seu pensamento conservador, isto é significativo e relevante.
Pensar a figura da drag queen em outro cenário, me fez pensar em suas potencialidades também subjetivas e pedagógicas. Que as possibilidades de reflexões abordadas com ser sujeito/personagem no cotidiano, na docência e sua prática, possa movimentar o leitor em relação à essa figura perturbadora, fascinante, transgressora. Ecos sobre esta figura ainda ressoam em mim, desta forma, sei que ela vai dar muito o que falar ainda, pois essa figura ainda pode ser muito mais explorada não só no espaço educacional, mas em outras configurações.
 
A figura da drag queen faz parte de mim, ela me da vida e me potencializa criar, ser, viver; e assim como a drag queen que está sempre em processo, transformando-se, (re)inventando-se, minha pesquisa também estará sempre em processo, possibilitando outras transformações, outras reflexões. 
 
Porque escrever sobre um tema tão polêmico? 
Iran – Quando decidi escrever sobre a figura da drag queen, foi porque eu tenho um personagem drag a aproximadamente 9 anos. Não vejo a figura da drag como uma figura polêmica, vejo-a como uma figura fascinante, perturbadora, transgressora.
 
Esta temática me acompanhou desde a graduação no Curso de Artes Visuais a arte do transformismo, sem perceber, estava fazendo parte dos meus trabalhos plásticos que desenvolvi nos atelier de desenho, serigrafia, cerâmica, design de superfície e estamparia, e também a temática do transformismo me acompanhou no trabalho final de graduação juntamente com a moda, com o intuito de criar uma relação entre o transformismo, a moda e a educação. Como título deste trabalho final, Moda e Transformismo: um encontro de personalidades na construção docente.
Encontro-me em Lili e vice-versa, pois vivencio este trânsito entre sujeito e personagem/drag queen a aproximadamente 9 anos. Personagem que me afeta e que de certa forma afeta aos outros, e que me possibilita experimentar momentos que jamais serão esquecidos.
 
Teve muitas dificuldades de abordar o tema, como material pesquisas ou ajuda?
Iran – Não tive muita dificuldade em abordar o tema, pois meu orientador se jogou comigo neste universo colorido e na qualificação do trabalho as sugestões da banca foram muito significantes e importantes para continuar a pesquisa e pensar esta figura de forma mais pedagógica e suas relações com o meu cotidiano sujeito/artista/educador.
 
O que pude perceber no início da pesquisa durante o Estado da Arte, é que na área de educação esta temática é pouco explorada, então busquei pesquisas em outras ares como a antropologia, a sociologia, a comunicação, entre outras.
 
 
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