Depressão: Aqui jaz Paulo Vaz e milhares de jovens LGBTQI

Há pouco mais de um mês, no dia 14 de março, o policial e ativista trans Paulo Vaz, de apenas 36 anos, foi encontrado morto. O suicídio do influencer, casado com Pedro HMC do canal Põe na Roda, ocorreu um dia pós o vazamento de um vídeo íntimo do esposo. Comentários transfóbicos teriam sido a gota d’água para o desabamento emocional de Popo Vaz que enfrentava muitas batalhas e dava sinais de cansaço.

Após o falecimento do esposo, o fundador do canal Põe na Roda enfrentou acusações de que teria colaborado com a morte do marido trans. Esperei um mês para tocar no assunto, por conta das emoções afloradas. Eu não conhecia o Popó e por algumas vezes cruzei com Pedro em eventos. Não sou trans e nem estou em um relacionamento aberto. Mas eu tenho certa experiência com depressão e a lidar com haters.

É preciso uma estrutura emocional enorme para lidar com a covardia da internet nos dias de hoje. É preciso uma força muito grande para lutar contra pessoas que te julgam e são injustos com você e tentam te cancelar. A depressão é um quadro que se agrava muito com situações que fogem ao nosso controle, se você não souber lidar com isso.

Vejo faz tempo as pessoas se expondo na internet. Há mais tempo ainda o culto ao corpo e a uma vida de “sucesso” e “felicidade” que não pode ser sustentada na realidade. O fato é que muitos de nós criamos esse ambiente de inveja, competição e cobrança dentro da comunidade.

A depressão, que causou a morte do ativista, nada tem a ver com nenhum dos atores ali presentes. Ela já existia, já era alimentada, e cobrou seu preço. Infelizmente um preço que todos nós teremos que pagar: o de perdermos mais um jovem incrível.

O suicídio é um fato que ignoramos. Ignoramos os sinais da depressão, os mascaramos com remédios e momentos alegres fotografados. Todos os dias nas grandes cidades, pessoas tiram as suas vidas. Isso acontece também nas pequenas cidades, em todas as culturas, raças, idades, orientações sexuais e gêneros. Quase 90% das pessoas trans já pensaram em se matar frente a bravata sobre-humana que a vida lhes impôs.

Precisamos falar mais sobre saúde mental.  Preparar mais os jovens para vivenciar isso. Entender os sinais. Os gatilhos sempre existirão, precisamos aprender a lidar com eles. O suicídio na nossa sociedade tem quase sempre uma abordagem religiosa que o condena. Sempre buscamos culpados mas não debatemos o tema.  Primeiramente: é preciso buscar ajuda e não desista.

Eu, pessoalmente, “escolhi a vida” na primeira vez que pensei em tentar o suicídio. Não cheguei a tentar mas eu tinha acesso fácil a uma arma. Eu tinha 12 anos e o bullying tão era cruel na escola a ponto de eu pensar constantemente em me matar. Meus pais ignoravam os sinais pois tinham suas próprias crises e nem sabiam do armário que me sufocava. Me vi sozinho em um momento que era para ser de inocência. Tive que amadurecer rapidamente para lidar com tudo o que acontecia. Escolhi viver o futuro pois quem deveria morrer não era eu, eu era o lado bom – embora todos dissessem o contrário. E nisso que penso todas as vezes que algo ou alguém me decepciona. Vamos lutar até o fim, penso. E o fim não será eu quem vou impor.

A auto estima e resiliência – capacidade de lidar com situações difíceis – são importantes nesse processo. São ferramentas que devemos cultivar em nós e nos outros. Dias bons e ruins sempre virão. Sempre terão pessoas sem noção que nos tirarão a paciência ou nos humilharão, elas vão tentar. Aprenda a lidar com isso. A vitória virá, mesmo depois de inúmeros fracassos. Aceite o passado. A dor é sempre opcional, hoje. Você pode congelar ou você pode agir e mudar o amanhã. Respire e ignore. Amanhã é outro dia, e é preciso esperar. E acredite, se você for bom e de coração puro, terá uma grata surpresa.

Meus sentimentos ao esposo, amigos e familiares desse ser de luz que veio ao mundo nos ensinar tanto. Olhe para o lado. Seja gentil.

 

Allan Johan :O jornalista Allan Johan é fundador da Revista Lado A, militante LGBTI e primeiro Coordenador da Diversidade Sexual da Prefeitura Municipal de Curitiba entre março de 2017 até maio de 2020.