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Entrevista: Luiz Mott do GGB da Bahia

Redação Lado A 03 de Junho, 2007 00h16m

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Luiz Mott, 60, nasceu em São Paulo e há quase 30  anos vive na Bahia. Por lá, fundou um dos principais grupos gays do Brasil, o GGB, Grupo Gay da Bahia, hoje, a entidade mais antiga ativa no Brasil. O aspirante a frade dominicano se tornou pai de duas mestiças japonesas, mestre em etnologia na Sorbonne e Doutor em Antropologia pela Unicamp. É autor de dezenas de livros e centenas de artigos sobre diversos temas. Destacou-se na pesquisa sobre a Inquisição e escravidão no Brasil e em temas ligados aos homossexuais. Hoje é uma das vozes mais respeitadas dentro do movimento gay.



Do governo militar para hoje, o que mudou? Você é otimista quanto a uma melhor aceitação do gay na sociedade brasileira? Você acredita que as leis que o movimento tanto busca vão sair ainda no governo Lula?

Pra dizer a verdade, os militares reprimiram minimamente os homossexuais durante a ditadura. Houve o tal processo contra o Lampião (Primeiro jornal gay no Rio de Janeiro), o jornalista Cury, da Coluna do Meio, também sofreu repressão, mas foi durante a ditadura que surgiu o Movimento Homossexual Brasileiro, que uma dezena de grupos foram fundados e algumas ações cruciais foram realizadas, como a exclusão do homossexualismo como desvio e transtorno sexual. Claro que depois da democratização do Brasil houve mais s liberdade, inclusive para os homossexuais, e na qualidade de protagonista no MHB (Movimento Homossexual Brasileiro), sou otimista quanto ao futuro do nosso povo gay, pois os grupos gltb estão se multiplicando, a mídia se torna cada vez mais politicamente correta,  as paradas são uma coqueluche, mas ainda temos muito a conquistar, sobretudo na erradicação dos crimes homofóbicos, na conquista de que mais cantores, políticos e vips assumam sua homossexualidade.


Quanto ao governo Lula, apesar do ufanismo dos militantes do PT, confesso que não tenho muita convicção que o presidente vai se empenhar pessoalmente para que a bancada aliada aprove nossos projetos. Os evangélicos e católicos radicais, além dos parlamentares machistas de todos estados, são importantes aliados de Lula e temo que ele venda mais uma vez sua alma ao diabo.


Os crimes contra homossexuais no Brasil são um dos focos de suas pesquisas. Muitos criticam que eles levam uma imagem errada da homofobia no país. Até onde o Brasil é cruel com os gays?
O Brasil continua sendo o país campeão de assassinatos de homossexuais, mais de cem translesbigays são assassinados anualmente, homicídios violentos que podem perfeitamente ser tipificados como crimes de ódio, onde a condição existencial da vítima,  como ‘viado’, foi a causa ou agravante da execução. Se tal estigma prejudica nossa imagem de paraíso sexual tropical, o que nos interessa, como humanistas e cientistas sociais, é denunciar e propor soluções contra tal barbárie. Como existe o racismo cordial, também existe a homofobia relativa, pois reunimos num só país, extremos contraditórios: o campeão das paradas gays (e de exportação de travestis para a Europa) e líder de crimes homofóbicos.


Qual violência é mais fácil de eliminar: As penas de mortes para gays em alguns países muçulmanos ou os crimes de ódio que ocorrem por aqui?
Ambas violências são dificílimas de serem erradicadas. Mentalidades não se mudam por decretos, mas leis punitivas contra a homofobia podem auxiliar decisivamente na garantia dos direitos civis dos oprimidos. O Brasil tem de pressionar os países onde ainda há leis homofóbicas, para que sejam abolidas,  e ao mesmo tempo, através da educação sexual universal e de projetos de resgate da cidadania, erradicar os crimes contra homossexuais no país.


Artistas baianos como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ivete Sangalo, entre outros, têm fama se serem homossexuais. Quais deles realmente são?
Gil e Ivete  negaram ser homossexual. Caetano apesar de mais solto nos beijos na boca e canções homofílicas, também nunca declarou ter transado com um homem. Betânia e Gal, apesar de infamadíssimas, também negam. Mas a vox populi (voz popular) é sapientíssima, e considera todos esses, e outros mais, como de fato, amantes do mesmo sexo. A filha do Gil, Preta Gil, rainha da parada gay da Bahia em 2006, declarou do alto do trio elétrico que gostava de meninas e meninos. Bom exemplo a ser seguido por Simone, Chandy, Margareth Menezes, etc, etc..


O que falta para haver mais união dentro do Movimento Gay Brasileiro?
Mais profissionalismo, mais escolaridade, mais honestidade, mais paciência, mais garra, e mais gente que não dependa da grana das ongs pra se sustentar, pois infelizmente, o dinheiro corrompe e desune.


Você assumiu publicamente a sua homossexualidade na TV, na década de 70, e escandalizou o meio acadêmico nacional. Quais motivos o levaram a tomar tal decisão?
Eu fui dominicano na juventude e o lema desta Ordem é VERITAS, a Verdade, e tão logo eu me dei conta que era essencialmente gay, resolvi dar uma quinada na minha vida: me divorciei e decidi não mais esconder meu grande segredo existencial. Era época em que os primeiros grupos gays foram fundados na América Latina e no Brasil, então achei que era tempo de desfraldar a bandeira da liberdade gay. Adoro minha frase-cartão de visita que criei nesta época: “Cheguei, sou gay! É legal ser homossexual”.


No seminário, rolava sacanagem?
Pra dizer a verdade, infelizmente o clima era muito “virtuoso” no Seminário, ou melhor, Escola Apostólica de São Domingos, em Juiz de Fora, MG, onde vivi entre 1957-1962, dos 10 aos 17 anos. Um único caso escandaloso de um seminarista que foi pego transando, acabou na sua expulsão. Eu fui “assediado” por um mais velho, numa cabana durante um acampamento nas férias, mas como eu era muito virtuoso e seguia o lema de São Domingos Sávio, “antes morrer do que pecar”, recusei a cantada e tudo não passou em uns beijos na boca, o que hoje eu lastimo muito!


Aos 60 anos, você sente o preconceito em virtude da idade no meio gay? Por que os mais velhos se trancam nas saunas?
Nunca me dei conta que os gays mais velhos, as preconceituosamente chamadas de mariconas ou tias, frequentavam mais as saunas que as monas mais jovens. Precisa conferir esta informação. Quanto ao preconceito contra os gays de terceira idade, deve-se à mística do belo corpo e da juventude na cena gay, que obriga aos homossexuais gastarem muita grana e tempo na manutenção de um corpo padrão, e que descarta os mais gordos, mais velhos, mais efeminados, menos bonitinhos. Há dois anos conheci um rapaz baiano de 20 anos que sempre preferiu os coroas. Depende também dos sexagenários de investir em conhecer e se relacionar com gente nova em vez de restringir-se ao gueto gay. Eu mesmo, há anos não vou a saunas.


O deputado Clodovil é amplamente condenado pelo MHB por suas atitudes dissimuladas com a causa. Você ainda acredita em diálogo com ele?
 Desde que Clodovil foi eleito com quase meio milhão de votos, parei de criticá-lo, na esperança que se torne nosso aliado. Infelizmente, algumas lideranças gays, por preconceito e falta de paciência, optaram pelo rompimento imediato, sem dialogo com esse primeiro gay assumido a assumir mandato no Congresso. Ainda tenho esperança que ele possa entrar para a Frente Parlamentar de aliados e pare de falar tanta besteira e destilar sua homofobia internalizada. Caso realmente se recuse a dialogar, serei o primeiro a excomungá-lo e lhe dar o terceiro Troféu Pau de Sebo, já que por duas vezes o GGB o considerou inimigo do MHB.


O que o Papa Bento XVI pode esperar do Movimento gay em sua visita, este ano, ao Brasil?
Quando das duas visitas do finado Papa Polaco ao Brasil, o GGB protestou, enviando artigos para os jornais e para o governo, considerando inaceitável que um chefe de estado defendesse discurso tão homofóbico. Queimamos  sua imagem em praça pública.


A visita do Inquisidor Ratzinger deve provocar maiores protestos, pois ele tem sido o principal teórico da intolerância católica contra os homossexuais. Bento XVI deve ser tratado como persona non grata, pois seu discurso homofóbico fornece munição para os que discriminam, violentam e matam os homossexuais. Sou a favor de manifestações pontuais de protesto em todos os locais onde o papa visitar e protesto em todas as capitais, em frente às catedrais, inclusive com atos chocantes de irreverência, como casamentos de gltb, queima de fotos e documentos papais, beijaços e cenas de nudismo. Vamos mostrar na prática que somos pecadores e “intrisecamente maus”.


Zumbi dos Palmares era homossexual?
Acumulei 5 pistas que sugerem maior identificação de Zumbi como homossexual do que como heterossexual. Portanto, a resposta é: provavelmente sim!  Zumbi dos Palmares deve ter praticado “o amor que não ousava  dizer o nome”.  Primeira pista:  não há evidência  alguma comprobatória que Zumbi  teve mulher ou filhos. Para um  grande chefe guerreiro, a poligamia era privilégio indispensável. Ganga-Zumba, tio putativo de Zumbi, teve três mulheres, sendo duas negras e uma mulata. Porque Zumbi abriria mão deste cobiçado prêmio, considerando que devido à carência de mulheres,  os quilombolas da Serra da Barriga tinham de contentar-se com uma mulher para vários homens? Dois: Zumbi era conhecido por um  intrigante apelido: SUECA. Um negão ser chamado de Sueca é demais! Três:  Zumbi, que ficou coxo num acidente de batalha, descendia dos Jagas de Angola, etnia onde a  homossexualidade tinha numerosos  adeptos, os famosos “quimbandas”. As pessoas o descreveram como possuidor de “temperamento suave e habilidades artísticas”. Quatro:  antes de fugir para o mocambo, até os 15 anos, foi criado pelo Vigário de Porto Calvo, Padre Melo, que era “afeiçoado a seu negrinho”. Quinto: Dizem que Zumbi, ao ser preso e executado, a 20 de novembro de l695,  foi degolado “sendo castrado e o pênis enfiado dentro da boca”. Macabra coincidência: o Grupo Gay da Bahia dispõe de um volumoso dossiê de assassinato de homossexuais brasileiros, onde  constam 5 gays, dois em Alagoas, o mesma região onde castraram Zumbi, que foram encontrados mortos exatamente como o chefe quilombola: com o pênis dentro da boca. Uma forma antiga e simbólica de humilhar os “falsos ao corpo” que por não terem  usado adequadamente seu falo, tornaram-se merecedores de engoli-lo na hora da morte.


Quantos somos hoje, no Brasil?
Continuo achando que os 10% da população predominantemente gay calculado por Kinsey ainda é válido, apesar de algumas pesquisas pontuais terem chegado a números inferiores, oscilando entre 1,5% (CEBRAP) a 6% (Ministério da Saúde/Ibope). Se perguntar na Bahia quantos são os homens que transam com outros homens, por experiência participante a maioria dos gays responderá que ultrapassam de 50% os que curtem algum lance homoerótico, mesmo que seja só no carnaval ou depois de algumas doses a mais de caipirinha.


Portanto, hoje devem passar de 20 milhões os brasileiros predominantemente homoeróticos. Quanto aos assumidos, nem 5% dos praticantes do homoerotismo ousam sair do armário. Lastimavelmente, pois na Espanha, passam de 70% os gays assumidos!

Redação Lado A

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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