Mês da Visibilidade Lésbica: A bandeira Labrys

Raiza Luara 10 de Agosto, 2022 21h10m

O apagamento da cultura e comunidade lésbica é nítido ao longo da história do movimento LGBT, uma vez que existem poucos registros das movimentações de lésbicas que estão na vanguarda das reivindicações de pautas feministas e igualitárias para homossexuais. O que mantém as poucas memórias vivas são as teorias e debates passados de uma para as outras, espalhados pelas mais antigas companheiras de luta.

A bandeira Labrys e seus símbolos são usados pelos movimentos tradicionais de lésbicas, iniciados nos anos de 1970. Suas cores e elementos significam a resistência e a força feminina, além de remeter ao relacionamento entre duas iguais, ou seja, do mesmo SEXO. Porém, entre os movimentos mais recentes pautados em identificações de gênero afirmam que uma bandeira em tons de rosa, denominada Lipstick Lesbian, é a verdadeira bandeira lésbica. Considerou-se que a bandeira Labrys e todos os seus símbolos que remetem apenas às mulheres, especificamente, pessoas do sexo feminino, tinham significados problemáticos que respingariam em opressões para outras pessoas auto identificadas “femininas” ou “lésbicas” que, majoritariamente são do sexo masculino.

Eis mais uma vez o efeito do patriarcado, acostumado com a facilidade de ocupar espaços femininos, tomar para os homens a autoria de seus feitos e condenar as ações e debates voltados exclusivamente para mulheres. Isso tudo num processo em que principalmente as lésbicas são acusadas de possuir privilégios que não existem, como se não fossem mulheres, diariamente perseguidas, mortas, estupradas, violentadas. É estatística, não questão pessoal de identificação de gênero.

A Lipstick Lesbian possui algumas versões, algumas com cores em tons de rosa, lilás, branco e laranja. Em tempos em que exaltar os estereótipos de gênero se tornou revolucionário e não mais algo a ser abolido, tecendo um cenário em que parece que o feminismo se tornou conservador ou ultrapassado, as cores possuem significados pautados nesses estereótipos. Os diversos tons de rosa remetem a “todas as lésbicas”, no sentido de separá-las em grupos de mais ou menos femininas. Uma das versões da bandeira possui a imagem de um beijo estampado no lado direito, simbolizando a maquiagem, o salto alto, as roupas; essas pressões estéticas e de imagem altamente prejudiciais para mulheres. A primeira bandeira desse tipo foi criada em 2010 no site Tumblr, por um usuário que provavelmente é um homem. Mais tarde surgiram outras versões em que as cores branco e laranja entraram para a bandeira, para representar as lésbicas não binárias.

A Labrys por sua vez possui diversos significados, porém longe de ressaltar os estereótipos de gênero que já foram até consenso na comunidade homossexual sobre sua abolição. Além disso, os significados da Labrys possui memórias sobre a luta das lésbicas e suas diversas manifestações, é uma bandeira para todas as lésbicas, e representa um movimento forte, de mulheres, intrinsecamente feminista. A Labrys é símbolo de proteção e força, algumas feministas lésbicas dizem que ela remete às sociedades matriarcais e às armas das amazonas. Há ainda o significado de dois lados iguais, ou seja, da relação entre pessoas do mesmo sexo. Já o triângulo invertido preto, acusado por alguns de ser um símbolo nazista, e realmente é, representa as tatuagens usadas nos campos de concentração para marcar seus prisioneiros. O triângulo invertido rosa era utilizado para marcar gays; a roxa, para marcar prisioneiros em razão da religião judaica, enquanto o vermelho marcava os presos políticos. Por fim, o triângulo preto era usado para marcar principalmente as lésbicas, além de feministas e mulheres consideradas subversivas. Mais que um símbolo que remete a uma opressão, o triângulo invertido na bandeira Labrys é uma forma de demonstrar respeito à memória dessas mulheres que morreram lutando umas pelas outras. Por fim, sobre a cor roxa que compõe o fundo da bandeira, conta-se que a escritora Betty Friedan, em um discurso da National Organization for Women — Organização Nacional para as Mulheres (NOW), fundada por ela, chamou as integrantes lésbicas da organização de Lavander Menace — Ameaça Lavanda, afirmando que elas manchavam a imagem da instituição e que outras pautas que diziam respeito às outras mulheres eram mais urgentes. Desde então, transformando o constrangimento em elemento de resistência, as feministas lésbicas adotaram a cor para a sua bandeira.

A comunidade lésbica, embora considerada como uma subcultura gay, como afirmaria Sheyla Jreffreys, é o cerne da luta do movimento LGBT. É inegável que, mesmo apagadas, suas manifestações foram o ponta pé inicial para outros movimentos sociais. Primeiro que é um grupo de mulheres, historicamente e atualmente oprimidas e exterminadas constantemente por diversos mecanismos. Segundo que a afirmação enquanto lésbica, mulher que disponibiliza seu corpo apenas para outras do mesmo sexo, está cada vez mais oprimido e censurado, acusado de privilégios e preconceitos contra outras “minorias”.

No Brasil as primeiras Paradas do Orgulho LGBT foram às ruas graças a essas antecessoras lésbicas. Surgiram nos anos de 1996 movimentos como o SENALE (Seminário Nacional de Lésbicas) que escolheu o dia 29 de agosto para ser o Dia da Visibilidade Lésbica em razão do primeiro seminário realizado nessa data. Na Ditadura Militar o movimento lésbico também resistiu fortemente em suas reivindicações, a exemplo do levante no Ferro’s Bar, em 19 de agosto de 1983, quando lésbicas lutaram contra a truculência da polícia, num evento que ficou conhecido como Stonewall  brasileiro. Aliás, em 28 de junho de 1969, no bar Stonewall Inn onde também houve uma batida em uma época de extrema repressão contra homossexuais, ao contrário do que muitos textos apontam em mais um indício de apagamento lésbico da história, foi uma mulher lésbica quem começou a rebelião. “Por que vocês não fazem alguma coisa?”, gritou a lésbica negra Stormé DeLarverie enquanto era arrastada para o camburão da polícia. .

Esse texto possui inspiração no texto de Adriane Rica, do blog Blogueiras Radicais e Marcelle Fonseca do site QG Feminista.

 

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Raiza Luara

SOBRE O AUTOR

Raiza Luara

Cientista social, professora, feminista, lésbica, redatora da Lado A e empreendedora.


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