Quem tem medo da palavra “lésbica”?

Raiza Luara 05 de Fevereiro, 2019 19h04m

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Assumir-se lésbica é um grande desafio ainda nos dias atuais, assim como para as outras letras da sigla LGBT+, que abrangem outras identidades e sexualidades. Mas o receio começa já na palavra que denomina as relações entre mulheres: ainda há muito cuidado ao se falar a palavra “lésbica”.

“Jesus, eu sou lésbica, sou gay”, disse Daniela Mercury em um show que realizou em Pernambuco no ano passado. A atitude, aclamada por uns e criticada por outros, não deixa de ser um ato de coragem. Ainda, muitas vezes, a palavra “lésbica” causa desconforto, tanto que muito se refere à mulher lésbica como “gay”.

Nas poucas representações de mulheres lésbicas na TV, também se evita o termo. “Eu sou gay”, constava no texto de Nanda Costa ao falar sobre a sexualidade de sua personagem na novela global Segundo Sol. Posteriormente, a personagem exerceu outras sexualidades na trama, mas enquanto o público a entendia como apenas lésbica, a palavra era pouco ou nunca usada.

A palavra “gay” já está mais familiarizada, o que não significa, obviamente, a plena aceitação de gays na sociedade. Já a palavra “lésbica”, de origem tão bonita, ainda é evitada. Minha mãe não diz que sua filha é lésbica, ela diz que a filha “gosta de meninas”. Por outro lado, no meu contexto familiar, não posso afirmar que ela diria que tem um filho “gay” se assim fosse.

A atriz Bruna Linzmeyer, lésbica, também já afirmou no programa Amor e Sexo que “lésbica” e “sapatão” causam espanto. Mas por que? Talvez por ser um termo relacionado à sexualidade de mulheres que se relacionam com mulheres? Pode ser. Mulheres que se atrevem a desobedecer a ordem social vigente que dita sobre o dever de se submeter aos homens social, sexual e moralmente.

Uma outra sugestão para esse fenômeno pode ser o apagamento da sexualidade lésbica. Essa hipótese cabe na situação machista já citada contra mulheres que subvertem a heteronormatividade que por sua vez coloca mulheres em posição de inferioridade. Para comprovar isso, basta digitar a famigerada palavra “lésbica” em qualquer site de busca. Diferente de outros termos contemplados pela sigla LGBT+, os primeiros resultados serão sobre pornografia. Essa é uma representação de fetichização de corpos femininos, onde, mais uma vez, mesmo exercendo outra sexualidade que não a heterossexual, mulheres serviriam para satisfazer a (hetero) sexualidade masculina.

A origem da palavra “lésbica”, no entanto, é poética e bonita. A palavra se baseia no termo em latim “lesbius”, que se refere à ilha grega de Lesbos. Nesse local, nasceu e viveu a poetisa Safo, em 630 antes de Cristo. A poetisa que escrevia sobre erotismo é considerada a primeira pessoa a escrever sobre relações entre mulheres.

Sobre a sexualidade de Safos, pouco se sabe. Há indícios de que ela se relacionou tanto com homens quanto com mulheres. Sua atuação, como supõe o significado de ser lésbica, foi subversiva. Com seus contos e poesias, chocava a sociedade grega e chegou a ser exilada por motivos políticos.

Antes da palavra “lésbica”, originada na terra de Safos começar a ser usada no início do século XX, as lésbicas eram descritas por outros termos considerados pejorativos. Antes desse período, para se referir à mulheres lésbicas eram usada as palavras “tribadismo” ou “urningismo”.

Os termos se referiam especificamente ao sexo lésbico. Na pronúncia grega, o som dessas palavras se assemelhavam ao som de vaginas roçando, posição sexual chamada no meio lésbico de “tesoura” ou “velcro”.  Esses últimos também são termos que causam espanto, mas não são considerados pejorativos no meio “sapatão”. Mesmo assim, é sempre importante lembrar: “Só um viado e sapatão podem chamar outro viado e sapatão de viado e sapatão”.

Por Raíza Luara 

 

 

Raiza Luara

SOBRE O AUTOR

Raiza Luara

Cientista social, professora, feminista, lésbica, redatora da Lado A e empreendedora.

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