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Vontades que passam não me servem de nada

Redação Lado A 10 de Agosto, 2007 14h48m

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Vou escrever. Senão, eu morro.
Não um morro, eu morro mesmo. A vontade é tanta que vomito.
Sabe, sou autista, não sou autista de verdade, mas me sinto autista… eu vou ao bar com fones de ouvido. As pessoas nunca me pararam pra dizer nossa, você É autista. Acho que eu me sentiria feliz se isso acontecesse, porque prestariam atenção suficiente em mim pra se sentirem incomodados e proferirem tal obstante frase, mas não. Nunca disseram isso.


Então, eu sou autista, não que eu seja, mas sou.Estava no bar, eu e meus fones de ouvido. Sabe, meus fones de ouvido são legais, são do meu celular que toca MP3, eles não deixam o som vazar, não deixam o som entrar.


Então, eu me tranco no meu mundo. Não ouço o que acontece fora, não entendo o que acontece dentro. O fato é que estava eu bebendo, feliz. Pois, se bebendo, logo feliz. São analogias simples. Estava eu, bebendo, feliz. Então, de repente, nada aconteceu. Continuei eu, bebendo, feliz. Então, chegou alguém que eu conhecia, não que eu conhecesse, mas conhecia, porque já havia conversado com ele, sabe? Esses amigos de bar, sabe? Você sabe! Então, conversamos. Não conversamos, na verdade, só trocamos um oi ou algo similar. Foi uma conversa simples, dessas de bar. Na hora, tocava “Light my fire”, agora toca “Machine”, dos “Yeah yeah yeahs.”.


Aliás, sabe, estou indo embora do país, embora queira ficar. Adoro joguetes com palavras. Mas é serio. Estou indo mesmo. O fato é que nosso oi foi um oi do tipo “ah, você…” bom, foi só um oi no fim das contas. Voltei pro meu fone de ouvido, enquanto todos ouviam uma música que não é musicável. Quero ver, um dia, alguém tocar aquilo em um violão. É ridículo, mas é bom de dançar.


Aliás, começou a tocar “Maps”, da mesma banda. Eu continuei no bar, não conhecia ninguém, eram pessoas alheias. Alheias. ALHEIAS! INCÓGNITAS! ESTÚPIDAS! HEDIONDAS! IDIOTAS! HIPÓCRITAS! FEIAS! BICHAS! VELHAS! MÓRBIDAS! FLÁCIDAS! MAGRAS! Imperfeitas, é o termo certo! O bar é meu! Saiam daqui! O BAR É MEU! Ouviram!? O bar é meu.


Não, o bar não é meu, mas enfim… Ninguém, ninguém… Tinha aquele, e logo chegou outro… mas ninguém, mesmo assim. Enfim, não tinha ninguém e o meu bar já não era meu… estava tão mudado, com mudanças que eu não havia autorizado. Foi quando percebi que eu não mais mandava ali… pior, talvez, eu nunca houvesse mandado… quem sabe o mundo acabaria?


Preferi abster-me. Fui para o lounge. Aliás, clamo a todos os filólogos que corram e criem um termo para este ambiente, em português, pois não encontro outro, se não, em inglês. Já não tocava a mesma música, agora era “Meds”, da banda “Placebo”. Fui para o lugar sem termo especifico em português, sentei, com meus fones de ouvido. As pessoas me olhavam, como se eu fosse um idiota, afinal, porque estava usando fones de ouvido? Nunca entenderiam, idiotas…

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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