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Um beijo às vezes é mais que um beijo

Redação Lado A 03 de Outubro, 2007 14h55m

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O pai da Psicologia, Sigmund Freud, autor da célebre frase “um charuto às vezes é apenas um charuto” ficaria interessado com toda a polêmica dos gays em querem um beijo entre personagens homossexuais nas telenovelas brasileiras. Na verdade, um beijo, neste caso, é muito mais que um beijo.


O psicólogo disparou a frase quando percebeu que suas teorias poderiam fazer com que seus discípulos interpretassem o objeto de seu vício como uma representação fálica. No caso do beijo gay na televisão há um grito de socorro embutido, de existência, de cidadania. O primeiro beijo gay da história da TV brasileira, porém, já aconteceu há quase 45 anos. Segundo a Revista Brasil Almanaque de Cultura Popular, a primeira novela brasileira “Sua vida me pertence”, de Walter Foster (que também fazia o mocinho da trama), estreou em 1951 na TV Tupi e exibiu o primeiro beijo da tevê brasileira. Outra novela do mesmo autor, com a protagonista interpretada mais uma vez por Vida Alves, em 1963, exibiu o primeiro beijo lésbico. A tevê ainda era ao vivo, o beijo lésbico foi dado na atriz Geórgia Gomide, na novela “Calúnia”. No teatro, o beijo gay já até perdeu a graça. Mas porque desta insistência?


Depois de quase 20 anos de ditadura e opressão à liberdade de expressão, a tevê brasileira não retomou o caminho de vanguarda de outrora. Aliás, a atriz que deu o beijo lésbico mencionado, foi a primeira mulher artista a ser presa pela ditadura. O atraso na arte brasileira aumenta com o conservadorismo, falta de mercado, e inclui pressões religiosas e de diretores das emissoras. O último a se mostrar retrógrado foi o apresentador Luciano Huck, que vetou uma apresentação do time Roza Futebol Clube em seu programa. No ano passado, ele levou ao ar o criticado quadro “Capitão Mormaço” onde um humorista abusava dos trejeitos gays e aparecia quando o termômetro marcava 24º graus. Vale a pena lembrar que Assis Chateaubriand, o magnata das comunicações conhecido como Chatô, que trouxe a tevê para o país, era considerado um dos homens mais machistas de sua época e mesmo assim não vetu o beijo lésbico.


Dada a importância da teledramaturgia brasileira, a ansiedade pelo beijo gay já passou pelas tramas globais “A próxima Vítima”, “América” (que teve a cena grava e nunca exibida), “Torre de Babel” e “Paraíso Tropical”, todas exibiram casais homossexuais assexuados, que se comportavam bem e não cruzavam a linha da intimidade, diferentemente dos papéis convencionais que exibem cenas de nudismo e simulação de orgasmos. Por enquanto, nada de beijo.


É sabido que a ficção não tem compromisso com a realidade, mas uma das bandeiras da emissora líder de audiência é que o canal reflete o Brasil. A ficção e a realidade se confundem na cabeça dos espectadores e da própria emissora, que perdeu o tom criativo e repete preconceitos. A ausência da paridade de personagens negros com o real e a retratação deles como classes inferiores nas novelas reforçam preconceitos, assim como no caso dos homossexuais passa uma mensagem clara: gay, para ser aceito, não pode fazer sexo, não pode chamar atenção.


O beijo gay na tevê brasileira é uma questão de tempo. Provavelmente alguma trama não global irá estreá-lo. São cinco personagens gays assumidos na tevê aberta brasileira atualmente. Na novela Duas Caras, da Rede Globo, Bernardinho é um chef de cozinha que tem sua homossexualidade em definição. Na Record, Danilo e Beé integram a trama de Caminhos do Coração e vivem o estereótipo do gay playboy de academia e o gay  negro de classe média. Já na telenovela “Dance, Dance, Dance…”, Christian é um DJ que volta dos EUA e tenta sua carreira musical. A dramaturgia já largou o estereótipo do gay afeminado, mas caiu em outro muito pior, o gay-eunuco. Eles não sentem tesão, não desmunhecam, são inteligentes, educados, ricos, perfeitos até demais. E o principal: não beijam ninguém.
 

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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