COMPARTILHAR |
Entrei quase correndo pelos corredores da rodoviária. Para minha sorte o ônibus continuava parado, cheguei uns quinze minutos adiantado. Rogério não conseguiu disfarçar a alegria em me ver, me abraçou e manteve um ar de interrogação. Eu entreguei-lhe sua carteira que havia esquecido no meu apartamento e recebi um amplo sorriso como agradecimento. Fui saindo sem mais nada a dizer e senti suas mãos a me puxar.
— Está correndo porquê?
— Quase atrasado… Preciso ir.
— Atrasado?
— Reunião no escritório. Muito trabalho a discutir.
— Reunião em pleno domingo?
Percebi desconfiança em seus olhos, eles tremiam enquanto me fitavam. Ele continuava segurando meu braço e acompanhava cada um dos meus gestos nervosos.
— Está mentindo por que, Carlos? — Olhou firme para minhas mãos, já me conhecia tão bem.
— Na verdade tenho algo pra você. Dá-me tua mão.
Sentamos em uma fileira de bancos próximos a escadaria.
Rogério ainda mantinha os olhos firmes:
— Porque mentiu?
Um homem de meia idade uniformizado apareceu no portão da plataforma de embarque. Avisava que apenas restavam dez minutos para a partida do ônibus. Ele ficou apreensivo, sua respiração ficou mais rápida, seu nervosismo aflorava. Percebi que seus dedos suavam, ao mesmo tempo podia senti-lo mais fortemente apertando meu braço. Seus olhos fitaram o chão sujo da calçada. Perguntou:
— Tá apaixonado por outro?
— Não!
— Então porquê?
— Eu tinha uma surpresa guardada, mas não estou mais me controlando de tanta ansiedade em te mostrar. Por isso vim correndo te trazer a carteira. Mas quando cheguei aqui achei que seria esquisito te mostrar a surpresa aqui em plena rodoviária e acabei tentando inventar a mentira pra ir embora logo.
Apressei-me em colocar a mão no bolso e tirar as duas alianças embrulhadas em uma flanela. Senti meu coração acelerar e a respiração dele quase parar. Éramos como duas crianças entusiasmadas, recebendo seu primeiro grande presente, mas ele apenas observava e não quis tocá-las.
— Como faremos? Você sabe que isso vai gerar perguntas… Disse ele rispidamente.
— Eu já pensei em tudo. Mas antes leia o que eu mandei escrever em cada uma.
E pegando delicadamente o par, Rogério se entusiasmou com o que havia sido escrito no interior de cada uma:
“Eu sei que vou te amar Roger…”
“…Por toda a minha vida Carlos”
— Muito Lindo… Perfeito! Mas como faremos se alguém perguntar? Todos vão acabar percebendo e desconfiando.
— Use no indicador da mão direita.
— Pode ser a partir de amanhã? Hoje tenho aquele almoço na casa dos pais do Marcos em Paranaguá. Ele vai se assumir pra família e irá contar que sou o namorado dele há um ano.
— Pode, claro. Como sempre eu, fico por último.
SOBRE O AUTORRedação Lado AA Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa |
COMPARTILHAR |