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Luiza Nahas: Cinderela Trans

Redação Lado A 15 de Setembro, 2008 05h37m

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Não se deixe levar pela beleza: a vida de Luiza Nahas renderia um bom roteiro de cinema. Entre shows em boates italianas e fotos como modelo pin-up há uma história densa e cheia de detalhes que fojem do convencional.

Chego ao apartamento de Luiza Nahas, no bairro do Itacorubi, em Florianópolis, perto das 21 horas, numa quarta-feira de noite fria e vento sul. Ela me recebe de cara lavada e roupa de andar em casa, transpirando sensualidade. Charme misturado com Pure Poison, da Dior, um dos seus perfumes favoritos. O apartamento é pequeno, muito charmoso, tudo com a cara da dona. Cheio de objetos, fotos e imagens penduradas nas paredes, que contam muito da vida de quem vive ali. Enquanto conversamos, entre uma taça de vinho e outra, ela escolhe o melhor roupa para mais uma noite de festa na Ilha. “O que você acha, calça jeans skinny ou legging preta?”, sem prestar muito atenção na minha opinião, decide por um look mais básico. Luiza é assim, independente, de personalidade forte. Características de um leonina convicta. Cenas ordinárias de uma vida cotidiana, mas a  história de sua vida não é bem assim.

Luiza nasceu há 33 anos, em Florianópolis, numa família de classe-média. Os pais adoravam mimar seu bebê mais novo de outros 4 irmãos. Aquela criança morena, de pele clara, que gostava de vestir, escondida, as roupas da mãe na infância, tinha, na verdade, nascido menino. Mesmo com a vista grossa que o pai fazia, um militar da Marinha, seu caçula cresceu um garoto extremamente feminino. Apaixonado por Roberta Close, pensava: “Um dia serei como ela”. Na escola e na rua, seus gestos e atitudes fora dos padrões chamavam mais a atenção dos meninos do que das meninas.

Com o início da adolescência a situação se intensificou. Não vivia sem uma gilete, para poder raspar os primeiros pêlos que nasciam, e com a ajuda de uma amiga, começou a tomar as primeiras doses de hormônio feminino. Devido às pílulas que tomava nessa época, o corpo delicado foi ganhando formas femininas. Os pais assustados levaram o filho a um médico, que recomendou terapia familiar, onde foi diagnosticado o caso de transexualidade. Decidiram, então, seguir a regra do “não julgarás”, nada diziam, apenas observavam as transformações e davam seu amor.


Aos quinze anos era inevitável tentar segurá-la, fase que os jovens começam a sair para festas com os amigos, Luiza se vestiu, pela primeira vez, de mulher fora de casa. “Não me esqueço da sensação quando saí de casa com aquele salto plataforma de vinil.” A mãe assustada, a seguia até a porta da boate para ter certeza se ela não iria para outro lugar. E foi na noite que as coisas começaram a acontecer, ganhou o apelido que carregou por muitos anos, Magia – por ser uma pessoa muito mística – conheceu o primeiro namorado e foi convidada para fazer aquele que seria o primeiro de muitos shows. Nervosa, subiu ao palco da boate Opium usando um vestido trapézio preto, para interpretar A Noite, de Fernanda Abreu.


Decidiu largar noite por um tempo e se dedicar ao trabalho. Foi estudar massoterapia na Escola Catarinense e abriu uma clínica, atendia seus clientes em casa. Porém, aos 21 anos, sofreu a maior perda de sua vida, a mãe, a quem tanto era ligada, faleceu devido a problemas no pulmão. “Esta foi sem dúvida a pior fase da minha vida. Chorava diariamente e não me conformava com a perda dela. Queria saber como ela estava.”

Logo começou a sacar que o mercado de trabalho não abriria espaço para um transexual. Então jogou tudo para o ar e voltou a freqüentar a noite. Foi quando conheceu Márcia, uma transexual, que na época, convidou-a para morar na Itália. Luiza não pensou duas vezes, era a chance de sair do Brasil e correr atrás do sonho da cirurgia de resignação sexual – cirurgia de mudança de sexo -. Sem dinheiro na época, o pai resolveu ajudá-la, e, em 1998, partiu rumo a Milão, onde moraria durante 6 anos.

Lembra com detalhes a cena de quando estava sentada no táxi que foi buscá-la na fronteira entre a Suíça e a Itália, e viu Milão pela primeira vez. “Era um deslumbramento com aquele mundo novo que se descortinava diante dos meus olhos. Dividia um apartamento com a amiga Márcia e logo comecei a fazer shows. Porém as dificuldades com a língua, no início, eram uma barreira. Enrolava um portunhol com as pessoas, mas sempre tentava assistir televisão e comprava revistas e jornais, assim, logo consegui aprender o italiano.”

Ela dançou em boates, cassinos, bares, posou para artistas da Escola de Belas Artes. “Numa dessas apresentações era Verônica La Leonessa (Verônica a Leoa), vestida de corset preto e com uma corda no pescoço, engatinhava numa ponte sobre uma boate, enquanto um homem vestido de caçador me puxava”, lembra, rindo. O dinheiro que ganhou com os primeiros trabalhos, pagou o que devia ao pai pelos gastos com a viagem. Gastava o que ganhava dançando com perfumes, roupas de grifes, cremes, maquiagem, sapatos. Mas também sabia economizar. Fez seu pé de meia e mandava dinheiro regularmente ao Brasil, que a cunhada Lisiane recebia e colocava em uma poupança.


Viveu um amor com um italiano durante 3 anos, que acabou terminando devido aos problemas com o uso drogas que ele passava. “Estava cansada de vê-lo se afundar na cocaína.” Foi então que conheceu o que chama de “anjo” da sua vida. Numa noite depois de dançar foi apresentada ao Marco, era um momento de crise em sua vida, os shows já não eram muitos. Acabaram se tornando grandes amigos e o italiano passou a ajudá-la financeiramente. “Era como se nos conhecêssemos de outras vidas, uma coisa muito forte.” Foi ele quem, em 2004, a incentivou a voltar para Brasil e prometeu mantê-la com uma mesada, sob a condição de largar a noite.

Já de volta ao Brasil encontrou o artista Anderson Rodrigues, que a convidou para fazer um ensaio de pin-ups. Ela seria a primeira modelo a fotografar um trabalho deste tipo, sendo uma transexual. Foi estudar sobre o tema e se inspirou em Bettie Page para fazer as fotos, que foram clicadas por Cristiano Prin. O ensaio foi exposto no MASC – Museu de Arte de Santa Catarina. “Foi um momento de glamour na minha vida. Comecei a freqüentar alta roda e as melhores festas graças a este trabalho.”

O sonho com a cirurgia ainda persiste, porém deve se realizar em breve. Sobre o futuro, como toda moça, sonha em casar, ter filhos e voltar a viver na Europa. Já sobre os homens, esta filha de Oxum é categórica: “Não me iludo mais com a beleza masculina, só com a minha.”

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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