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Carta a Paul Krause

Redação Lado A 27 de Fevereiro, 2009 15h32m

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Em 21 de fevereiro de 2009, escrevi a carta abaixo, a Paul Medeiros Krause, em que refuto um seu artigo de fundamentalismo católico e anti-homossexualidade, que se encontra em http://www.sacralidade.com/mundo2008/0099.aspectos.html.

Caro Sr. Paul Krause:

Li o seu ensaio sobre a “revolução homossexual” e pondero-lhe o que segue.

O “positivismo” a que se refere no seu ensaio, é o “positivismo jurídico”, de João Austin e de João Kelsen, que, frequentemente, se confunde com o Positivismo, a doutrina sociológica de Augusto Comte.

A legítima detentora do nome Positivismo, é a doutrina de Comte; outras correntes apropriaram-se do seu designativo, o que ocasiona muita confusão entre a obra de Comte e elas. 

É o caso da doutrina jurídica de Austin e de Kelsen, que em nada, absolutamente nada, se relaciona com a obra de Comte.

Só há um Positivismo, o de Comte. A doutrina de Kelsen é melhor designada por normativismo, por apegar-se à norma, à lei escrita, legislada.

A prática da homossexualidade corresponde a uma naturalidade, a um fato da natureza humana, presente, também, nos animais. O ser humano é heterossexual, bissexual e homossexual: esta é a realidade.

Não é este, claro, o entendimento do cristianismo, do dogma cristão, segundo o qual o ser humano é e só pode ser heterossexual e toda forma de sexualidade diversa desta é anormal.

Ao contrário do que o senhor afirma, o senso comum demonstra a naturalidade da homossexualidade, que nada contém de imoral: ele é, em si, inofensivo, quer para os seus participantes, quer para terceiros quaisquer. A ninguém prejudica e não traz efeitos indesejáveis, a saber, gravidezes indesejadas.

Imoral é o que prejudica alguém: o exercício responsável da sexualidade, em qualquer das suas formas, é perfeitamente moral, normal e aceitável. Para mais, pertence à privacidade de cada um e é dever dos demais respeitarem-na. Quem não gosta, não faça; deixe os outros fazerem, dentro da liberdade de cada qual.

A sua argumentação padece do mesmo vício que o senhor imputa aos pró-homossexualidade: se eles adotaram uma ideologia, o senhor adota outra, a do cristianismo.

Neste  particular, não há consenso possível entre um cristão e quem não o seja, ao menos, entre quem o seja  e quem não seja, neste particular.

O cristianismo (e qualquer forma de teologia) constitui, evidentemente, uma forma de se entender a realidade, subjetiva e verdadeira apenas para os seus crentes. Ele não exprime verdades absolutas.

A prática da homossexualidade, diz o senhor, é sinal de decadência moral e civilizacional, e promoverá a ruína do mundo moderno.

Quanto exagero ! Que falta de senso de proporções ! Que alarmismo!

A homossexualidade é inerente ao ser humano. Ali onde houve cultura, pensamento, ciência, sabedoria, arte, desenvolvimento, religião, ali onde havia seres humanos, havia homossexuais (e também bissexuais e heterossexuais).

As virtudes da Humanidade resultam da natureza dos homens e não da sua condição heterossexual. Das suas palavras deduzo que, no seu entender, a condição homossexual é incompatível com a grandeza humana, o que é perfeitamente falso. Gregos e romanos foram bissexuais e ninguém lhes atribuiria decadência moral nem de civilização. 

A falta de liberdade sexual e a recusa da homossexualidade  transtornou inúmeras pessoas, ao longo dos tempos: a anti-homossexualidade perturbou e perturba, em alguma medida, a saúde psicológica das pessoas. Neste particular, a teologia cristã é culpada de uma enorme quantidade de sofrimentos inúteis: isto  sim é que é imoral.

O mundo moderno arruinar-se-á quando os homens desposarem homens? Com fundamento em que o afirma? A união afetiva e legal de dois seres humanos pode originar a ruína da civilização? Alemanha, Espanha, Bélgica, Holanda, Canadá, etc., em que o casamento guei existe, acham-se em ruína ou à caminho dela?

Casamento significa união. Quem se une, é secundário; decisivo é que o Estado possibilite-o a quem se queira unir, sejam homens, sejam mulheres, entre si, sejam homens com mulheres. É sem sentido pretender que o casamento homossexual corresponde a uma “usurpação dos direitos da família natural”. Que significa esta “usurpação” ? Que “direitos” são estes? A sua, é uma frase retórica e vazia, insensata e, sobretudo, preconceituosa e intolerante. Viva e deixe viver.

Saúde e fraternidade.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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