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A vida em um segundo – Homenagem ao Rafael Yared

Redação Lado A 08 de Maio, 2009 01h46m

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Nesta quinta-feira, cheguei do meu curso matinal de gastronomia e recebi a notícia de que meu amigo Rafael Yared havia falecido. Me mandaram um link de um jornal popular de Curitiba, perguntando se eu o conhecia e quando li o nome, estremeci. Notícia horrível, acompanhada de que outra pessoa que eu conhecia também estava no carro com ele e havia igualmente ido embora. De início estranhei o fato de o motorista do outro carro, ao qual os jornais acusaram de participar de um racha, aparecia apenas o primeiro nome. Rafael não corria, ele era uma pessoa elegante, sempre sorridente, responsável. Eu sabia que o Carlos Murilo trabalhava nos cinemas do Shopping Park Barigui, sempre o via por lá, então deduzi pelo horário que eles saíram do shopping. Para minha surpresa, o acidente aconteceu na rua de casa, a uns 1500 metros de onde moro. Os meninos tiveram morte instantânea.

Revolta, pensamentos profundos, medo, lembranças, tudo misturado a quase 200 km/h, velocidade que acredita-se que o Passat importado dirigido pelo deputado estadual Fernando Ribas Carli Filho, também de 26 anos, que atropelou o Honda Fit do meu amigo, estava. O tal deputado está quase com morte cerebral anunciada, espero que a família doe os órgãos e que nunca tentem colocar seu nome em uma rua. O pai é prefeito de Guarapuava, por um instante desconfiei que o nome dele não aparecia por tentarem abafar o acidente, ou o duplo homicídio.

Rafael estava sempre alegre, não era de criar confusão, de se expor. Sempre educado e com seus abraços de urso na balada que me deixavam dolorido, isso quando não queria nos erguer (detalhe, tenho 1,90m). Nos conhecemos no IRC há uns 10 anos, por muito tempo não fomos amigos, ao contrário, até que um dia uma pessoa nos reaproximou, então ficamos super parceiros. Em sua humildade característica, pediu desculpas por pensar errado de mim. Nunca considerei uma desculpa, mas achei aquilo nobre. E ele era assim. Fizemos faculdade juntos, até quando ele largou Jornalismo para fazer Psicologia. Conversamos sobre nossos problemas muitas vezes, não éramos melhores amigos mas nos dávamos super bem e era uma alegria quando nos encontrávamos por acaso. Berros e mais berros. Ele sempre festeiro, sempre contagiante.

Mas o acaso não existe, ou ele é tão forte que se impõe quando achamos que estamos seguros. A qualquer momento pode vir um idiota sem amor à própria vida e passar de carro por cima de nós. Resolvi ir ao enterro do Rafa, liguei na confeitaria da sua mãe e me passaram o local do velório, também aqui perto de casa. Larguei tudo para dar o último adeus ao meu amigo que teve esta morte trágica. Chamei minha vizinha que era da sala dele, ligamos para alguns amigos, combinamos de ir juntos. Coloquei no MSN o local e o acontecido, amigos ligaram e pediram para colocar no site. Por causa das condições do cadáver, a família apressou o sepultamento. Membros do meu amigo ficaram espalhados na rua aqui de casa, tudo muito próximo, tudo muito repentino e inconcebível.

Logo na chegada ao velório, vejo carros de emissoras de TV, um jornal havia mostrado os corpos no local do acidente durante o almoço. Tudo muito bizarro, carniceiro, por parte deles. Dei uma bronca em uma das emissoras. Mesmo assim, a minha ficha não caia. Ainda não caiu. Rafael para mim era a alegria em pessoa. Uma hora antes do enterro, o local estava cheio de amigos, até quem não se dava bem com o Rafa apareceu. Lá, ele era Gilmar, seu primeiro nome. Amigos da balada, evangélicos da igreja de sua mãe, familiares, todos homenageando o menino de quase dois metros de altura que era ternura pura – Coeur Dulce. As lágrimas e o sentimento de indignação eram constantes. O pessoal da igreja cantou algumas músicas lindas.

Seus pais, um casal novo, estavam em choque. Alguns amigos também não acreditavam. Ontem mesmo o Rafael tinha feito uma despedida na faculdade, estava de malas prontas para ir estudar na Austrália.

Compramos maços de flores no cemitério, palmas, não dava tempo para fazer uma coroa. Acompanhamos o cortejo que seguia o carro de golfe até o local no fundo do Parque Iguaçu, nome do cemitério, onde seria o lar eterno de seu corpo. Por lá, um pastor, acredito eu, que depois confirmei ser mesmo pastor e seu tio, fez um sermão. Ele falou sobre a vida terrena ser efêmera e resumiu muito bem o sentimento de todos. Disse que nós nos preocupamos com as futilidades da vida e essas coisas que acumulamos não levamos. Que amanhã podemos não estar mais aqui. Comprovou a nossa insignificância no Universo e que devemos procurar fazer algo construtivo em vida, fazer a diferença. Quando ele falou do julgamento que fazemos uns dos outros, aquilo acertou em cheio as pessoas que não o aceitavam ou colocavam condições para ele, uma pressão forte que o Rafa sempre recebia e contornava ao seu jeito.

No final, quando a terra era devolvida ao buraco de sete palmos feito no meio do gramado impecável, um homem começou a cantar mais uma música, esta falava sobre um recrutamento divino e no final dizia: “Deus, eu sei que você me ama”. Pronto, foi o suficiente para os amigos gays que ainda não tinham chorado, e os mais fortes, desabarem. A mãe e a irmã, inconsoladas, gritavam de dor que amavam ele. A cena foi triste, mas eu de alguma forma estava feliz pelo meu amigo não ter sofrido tanto e ter conseguido que tantas pessoas fossem lá dar o último adeus, estava contente em saber que ele era amado e teve uma despedida linda. Uma salva longa de palmas foi a homenagem final ao Rafael que se foi para sempre mas que estará sempre presente nas baladas, na cena da cidade, e será lembrado por todas as almas que tocou com seu carisma.

Rafa, onde você estiver, ensina um pouco a gente a ser tão feliz quanto você foi. Obrigado por ter deixado eu te conhecer e ter compartilhado a sua sabedoria e alegria com a gente. Tenho certeza que foi para um lugar melhor, bem melhor, do que aqui. Pax, Lux!

 

 

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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