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Amor de praia não sobe a serra

Redação Lado A 02 de Setembro, 2010 00h42m

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Eu tinha um relacionamento de quase sete anos com Daniel mas nos últimos anos as coisas haviam esfriado bastante, apesar de ainda amá-lo. Era tanta coisa pela qual passamos juntos e eu não tinha coragem de deixá-lo e eu sentia que estávamos empurrando nossa “história” com a barriga.

No feriado de finados no ano de 2000, um amigo meu me convidou para passar o fim de semana na praia. Eu estava bem cansado e precisava um pouco ficar sozinho, acabei aceitando o convite. Como em todo feriado de Finados, choveram todos os dias e acabamos ficando mais em casa do que tudo. Aproveitei para descansar bastante e pensar muito em tudo que estava acontecendo. Mesmo assim, acabamos saindo eu e meu amigo algumas noites para dar uma volta, mas sem grandes novidades. Já que a chuvinha não dava trégua na véspera de voltarmos a Curitiba, fui dar uma volta na praia sozinho.

Chegando ao Centro de Matinhos, parei em frente a um karaokê em que um rapaz muito desafinado detonava uma música da Legião Urbana. Sem me interessar muito, subi até o mirante de onde poderia ver o mar batendo de encontro às pedras. Ouvir o barulho do mar sempre me deu uma paz de espírito imensa mas não demorou muito e a garoa começou a engrossar. Segui de volta ao Centro, onde eu pudesse me proteger da chuva, parei embaixo do toldo de uma loja esperando a ela acalmar.

Alguns minutos se passaram e um rapaz passou e parou embaixo de um toldo quase a meu lado, não dei muita importância ao fato até que reparei que ele me olhava discretamente. Quando eu fixava o olhar em sua direção, ele abaixava a cabeça. A chuva parecia estar mais amena, saí de baixo do toldo, mas logo voltei pra lá.

– Não quis enfrentar a chuva? – perguntou ele.

– Muito grossa ainda.

– E pelo visto vai demorar para passar.

Tudo foi tão rápido que, quando vi, estávamos juntos embaixo do mesmo toldo conversando como se fossemos velhos conhecidos. Paulo era seu nome, era artista plástico local e nossa conversa trilhou para o lado das artes plásticas.

– Se você quiser ver meu trabalho, meu estúdio é perto daqui.
– Seria um prazer Paulo.

Andamos um pouco e logo chegamos ao seu estúdio. Todo atencioso, ele começou a me mostrar alguns quadros seus e quando me dei conta já estávamos nos beijando ardentemente, enquanto tirávamos a roupa um do outro, com pressa de não perder um segundo se quer.

Cheguei em casa e já eram quase 5 horas da manhã, convidei-o a dormir comigo, mas ele explicou que não tinha como, pois sua mãe estava lhe policiando, já que seu namorado havia viajado. Contei do meu relacionamento com Daniel também, de qualquer forma, a noite e a companhia valeram a pena e por isso não insisti, não era porque minha vida não andava boa que iria bagunçar o relacionamento dele.

– Aceita almoçar comigo e meu amigo hoje? – decidi arriscar mesmo assim para revê-lo.

– Claro, te ligo e nos vemos sim.

Ele me deixou em casa, acabei dormindo um pouco e levantando cedo para fazer a barba e esperar sua ligação. Logo que meu amigo acordou, contei que havia conhecido alguém na noite anterior e que o tinha convidado para almoçar conosco.

Eram mais ou menos 10h30 quando ele ligou, confirmando que viria. Desliguei o telefone e decidi que ficaria um dia a mais na praia. Depois do almoço iria até a Rodoviária trocar a passagem para o dia seguinte. Eu estava tão carente de atenção e carinho que desejei ter um pouco mais de tempo com Paulo. Meu amigo partiria a tarde e assim poderíamos ficar sozinhos.

Fui buscá-lo no meio do caminho. Chegando em casa fiz as devidas apresentações e ficamos os três sentados, conversando um pouco na varanda. Meu amigo adorou ele de cara, deixei-os conversando e fui preparar o almoço.

Sentamos para comer e comuniquei minha decisão de partir somente no dia seguinte para ele. Paulo, todo solícito, disse que me acompanharia até a Rodoviária e depois iria para casa descansar um pouco, pois não queria ficar tanto tempo fora para não despertar suspeitas, mas voltaria de noite.

No percurso até a rodoviária, senti ele frio e distante. Voltei sozinho para casa e acabei cochilando um pouco, até a hora de meu amigo partir, me despedi e deitei mais um pouco. No final da tarde Paulo me mandou uma mensagem no celular avisando que viria logo. Meia hora depois ele chegou. Estávamos na sala conversando quando meu telefone tocou, era Daniel, acabei atendendo a ligação tentando não demonstrar nada. Ele disse estar com saudades e querendo me buscar nessa mesma noite para voltar a Curitiba. Inventei uma desculpa qualquer para ficar e acabei desligando. Tão logo desliguei, Paulo se aproximou de mim, tirou o celular de minha mão e sem uma palavra me beijou, logo estávamos novamente entregues totalmente um nos braços do outro.

Quando percebemos a hora, já estava tarde. Nos arrumamos e saímos para comer. Durante o jantar não pude deixar de reparar o olhar dele para outros homens que passavam e de certa forma sentia um ciúme bobo. Saímos da pizzaria e voltamos pela praia. Ao seu lado, com o barulho do mar ao fundo e a magia da noite, sentia como se minha vida não fosse nada até aquele exato momento, com essa paixão surgindo com todo ardor, minha história parecia a do filme “As pontes de Madison ”, em que um estranho rouba o coração de uma mulher casada, dando a ela toda sua paixão e a oportunidade de uma nova vida ao seu lado.

Somente o céu era testemunha desse momento, paramos no caminho e ficamos abraçados perto de umas pedras, a chuva começou a engrossar e apressamos o passo de volta para casa. Chegando, fui escovar os dentes e, quando saí do banheiro, ele estava deitado somente de cueca me esperando. Ficamos juntos mais uma vez e senti como se fosse à última vez que iria lhe ver, um ar de saudade me invadia a alma. Por que algo tão perfeito tinha que acabar? Por que não nos conhecemos em outra época, sem estarmos comprometidos com outras pessoas?

Eu, deitado em seu peito, acariciava-o, foi quando ele disse:

– Você já quis ter o poder de parar o tempo?
– Já, mas por que isso agora?
– Queria poder parar o tempo hoje e ficar aqui direto deitado com você.

Beijei-o com uma forte tristeza no olhar.

– Pior eu que tenho que voltar pra minha vidinha.

Olhando bem fundo em seus olhos reparei a cor intensa neles, uma espécie de castanho que nunca tinha visto.

– O que foi? – perguntou ele vendo que olhava-o fixamente.
– A cor dos seus olhos, é tão diferente.
– Diz uma amiga minha que é castanho âmbar.
– Espere um pouco, não pisque.

Com todo cuidado peguei um cílio seu que estava solto e colocando em meu dedo disse:

– Ponha o dedo encima do meu e faça um pedido.

Ao mesmo tempo fiz o meu, queria tanto poder ficar com ele mais, quando ele tirou o dedo ficou grudado no dele.

– Opa, o meu pedido então será atendido.

Passamos o restante da noite abraçados trocando carícias, chegou a hora dele partir. Paulo levantou, colocou a roupa e fomos juntos até a porta.  Beijei-o mais uma vez intensamente.

– Se você não parar de me beijar eu acabarei ficando aqui.
– Então fique, durma comigo.
– Você sabe que eu não posso.

Eu tinha que entender isso. Beijei-o pela última vez e deixei que fosse embora. Logo que ele saiu, deitei-me e os pensamentos em minha mente voavam. Quando ele chegou em sua casa, me ligou para falar que chegou bem e perguntar mais uma vez que hora eu iria partir, em seguida desligou e eu pouco consegui dormir naquela noite.

No dia seguinte acordei cedo para voltar embora, lá fora uma fina garoa anunciava o mal tempo, já na Rodoviária à espera do ônibus, minha intuição dizia que Paulo viria ao meu encontro, ele sabia o horário que eu partiria e imaginei que pudesse dar uma desculpa no emprego para se despedir pela última vez.

Procurei-o por todo lado e nada, chegou a hora de embarcar a ainda olhei uma última vez com a esperança de encontrá-lo, novamente nada. A tristeza me invadiu o peito e entrei no ônibus retornando para minha casa, no caminho, pude sentir seu cheiro na camisa que eu estava usando e a saudade foi ainda maior.

Ao desembarcar em Curitiba, o Sol estava radiante. Liguei para Daniel afim de contar as novidades, as de menos importância é claro, e fiquei o dia todo à espera de um telefonema de Paulo. A cada chamada que recebia, meu coração disparava. Não conseguia tirar ele da cabeça, mas o dia acabou e não tive notícia alguma sua.

Somente depois de alguns dias ele me ligou, começamos a nos falar esporadicamente por telefone, nossos contatos eram distantes, como de dois amigos. Quando ele me ligava ou me passava algum e-mail, meu coração acelerava. Cada vez que ele dizia que seu relacionamento não estava bem, ficava contente em imaginar que poderíamos ainda ficar juntos.

Eu me sentia infeliz e estava representando com Daniel o episódio “Casamento Perfeito”, não tinha coragem de terminar a relação, por pena, ou talvez medo e por isso projetei meus sonhos e esperanças em Paulo. Naquele momento, a paixão havia me cegado de uma forma a ponto de pensar em largar minha vida toda para ir morar perto dele e construir algo novo e não me importaria se tivesse que trabalhar de pescador para isso.

O ano novo chegou e por coincidência fui passar o Réveillon em uma praia próxima a que ele morava mas por estar acompanhado do namorado e amigos nossos não tive como arranjar desculpa alguma para nos conseguir lhe ver. Esperei muito tempo para nos vermos novamente. Quisera o destino que realmente nos encontrássemos, sua mãe teve que vir a cidade para tratamento médico e nessa ocasião fui visitá-la. Alguns dias depois, ele veio vê-la. Sabia que agora era inevitável nosso reencontro e fiquei chateado com sua vinda pois só me avisou que estava em Curitiba dois dias depois. Senti como se com isso tivesse me evitando, por fim, ele veio se hospedar na casa de meus pais, onde eu morava. Sentia ele tão perto e ao mesmo tempo tão longe, quando o reencontrei percebi que o tempo e a distância havia mudado tudo. Ainda era apaixonado por ele, mas de sua parte sentia reserva e frieza. Eu precisava esquecê-lo, pois o que vivi com ele foi uma espécie de lua de mel, mas havia acabado.

Levei Paulo para passear em alguns lugares da cidade. Os dias de sua estádia correram rápido. Paulo já estava de partida e eu sabia que para o meu bem, e da minha vida também. Combinei de levá-lo na Rodoviária no dia de sua partida. Sabia que ele estaria sozinho em casa, por isso insinuei de comprar uma passagem e descer junto com ele, mas como percebi que não partiu nenhum interesse de sua parte, acabei desistindo da idéia e assim ele se foi.

Esquecer nunca é fácil mas o tempo resolveu isso e por sorte não deixou marca alguma. Continuei meu relacionamento como se nada tivesse acontecido e aprendi com isso a dar o devido valor a minha relação. Olhando tudo hoje em dia, percebo que o que senti foi uma paixão alucinante por alguém que eu nem conhecia direito e que passou. A paixão é como uma febre forte que faz você delirar, mas é só você tomar um bom remédio que ela some, já o amor é eterno.

Encontrei-o em Curitiba muitos anos depois. Nós almoçamos juntos como dois grandes amigos que não se vêem há muito tempo, foi uma boa experiência para comprovar que de fato havia lhe esquecido completamente.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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