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O sonho começou?

Redação Lado A 09 de Novembro, 2010 15h05m

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“Clandestinos – o sonho começou”, nova minissérie da Rede Globo estreou quinta-feira passada dia 04/11/10, dirigida por João Falcão conta a história de jovens atores que lutam para sobreviver de sua arte.

A história se inspirou na vida real e surgiu de um teste realizado para selecionar novos atores, que acabou aparecendo muito mais candidatos do que vagas disponíveis, e todos com um sonho em comum: estrear numa peça teatral.

Não acompanhei os comentários a respeito da estreia, mas é quase certo que será muito criticada, assim como foi “A Pedra do reino”, “Capitu”,“Som e fúria”, que trouxeram um pouco mais de “intelectualidade” a TV brasileira, o que acabou havendo um certo “estranhamento” da maioria da população que não entendeu a linguagem.

Eu, particularmente, gostei muito do tema mas é que o assunto “teatro” não faz parte do cotidiano de muitos brasileiros que nunca assistiram a um espetáculo na vida, não se deve reclamar que isso acontece por estar fora do alcance financeiro da população, pois grandes cidades como Curitiba, disponibilizam uma vez no mês espetáculos de dança, música e teatro a um custo zerado (Projeto teatro para o povo).

Uma das discussões mais interessantes já no primeiro capítulo de “Clandestinos” ocorreu entre o diretor e a produtora da peça sobre “dinheiro”, se devemos acreditar na nossa arte acima de tudo, ou se temos que pensar em primeiro lugar no fator financeiro?

Muitos atores, diretores, produtores acabam migrando para o eixo São Paulo/ Rio de Janeiro, porque percebem que nossa cidade não tem muita área de trabalho para eles, os que permanecem quase sempre acabam trabalhando com outras coisas que podem lhe dar uma maior sustentabilidade.

Não sei o que acontece com nossa cidade que se diz tão elitizada culturalmente, no entanto quem é que assiste teatro aqui? A classe artística, e às vezes estudantes, mas o mais engraçado é que quando os atores globais se apresentam por aqui os teatros lotam, o público não se importa em pagar de 30 a 80 reais, por outro lado, temos grupos ótimos regionais ao preço de 15 reais, que quase sempre penam para ter platéia em suas apresentações.

É incrível porque parece que a cidade só tem vida artística na época da realização do Festival de Teatro de Curitiba, onde você pode notar uma efervescência de apresentações e muitos teatros lotados.

Li uma reportagem sobre a Alemanha que já educa as crianças desde cedo a visitar museus e irem ao teatro. Quando eu era criança, existia um projeto teatral na escola, pelo preço de dois passes escolares (vale transporte da época), um ônibus te buscava no colégio e te levava ao espaço. Lembro de ter assistido muitas peças infantis no teatro da Classe, hoje chamado José Maria Santos, aí começou o meu gosto pela área.

A classe artística muitas vezes acaba criticando outros grupos e escolas, julgando que seus espetáculos não representam a arte de nossa capital, será que ao “intelectualizar” tanto a arte não estamos na verdade espantando o público?

Eu particularmente odeio sair de uma peça teatral sem entender nada, qualquer tipo de arte para mim é para ser sentida em primeiro lugar, e não intelectualizada.

Tivemos uma grande evolução com a lei que ampara os artistas, mas ainda temos muito por lutar, não basta se sindicalizar e tirar o seu “DRT”, a lei precisa de alterações que ampare o artista como um trabalhador de forma igual, porque não temos os direitos básicos que qualquer outro empregado comum tem, como férias, décimo terceiro, INSS.

E poucas são as empresas que tem iniciativa em patrocinar a arte em geral e os recursos que destinam nem sempre são suficientes, há tantos grupos, companhias que a verba que disponibilizam não da para muita coisa.

Por sua vez a lei de incentivo a cultura é uma faca de dois gumes, porque o que acontece é que as empresas patrocinam com interesse, eles não dão dinheiro para cultura, apenas tiram da parte do imposto de renda devido (Lei Rouanet) e em contra partida ainda tem a divulgação de sua marca no produto final.

E em editais grandes como o da “Petrobrás” ou “Banco do Brasil”, por exemplo, você vai concorrer com gente de todo o Brasil, e nomes fortes como “Zé Celso Martinez” ou “Antunes Filho”, o que faz com que o “sol” não brilhe para todos.

Em Curitiba há de se admirar o trabalho da Fundação Cultural, que abre vários editais durante o ano que permite ao nosso artista continuar realizando seu trabalho. Temos que entender que qualquer tipo de arte em nosso país não é necessidade básica e vemos motivos suficientes para que os dirigentes pensem dessa forma, quando o básico do básico como saúde pública e educação andam sempre mal das pernas, então cultura quase sempre é a última coisa que nossos governantes se preocupam.

A nossa realidade não é tão cheia de “glamour” como muitos pensam, porque você como profissional em alguns momentos se vê quase obrigado a trabalhar com projetos que não dizem respeito a sua forma de pensar, porque o dinheiro é bom e você precisa dele para sobreviver.

Quase sempre o que acontece é que o artista sobrevive de profissões paralelas, e  quando  você  fala que é artista, quase sempre as pessoas te perguntam: “E o que faz para viver”?

Esse infelizmente é o nosso atual cenário nacional.

*Bacharelado pela Faculdade de Artes do Paraná – FAP, em direção teatral, em seu currículo contam mais de quinze filmes e quatorze peças teatrais, em que atuou em diversas funções, como ator produtor, diretor, com nomes como Nelson Di Cordova, Regina Beraldi, Chico Terra, Guto Pasko, Marcio Mattana, entre outros.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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