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Mais respeito às vítimas, Aguinaldo Silva

Redação Lado A 29 de Novembro, 2011 23h19m

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O autor de sucesso Aguinaldo Silva volta e meia lança alguma polêmica sobre a questão gay. Às vezes é alguma declaração polêmica, como a de que atores gays não deveriam se assumir, ou ser contra o beijo gay na tevê – por acreditar que a massa não está pronta para ver isso em suas casas, ou ainda sobre um de seus personagens politicamente incorretos. A gente atura. A liberdade de expressão é algo que artistas, comunicadores, democratas e qualquer pessoa com o mínimo senso cívico defendem, mas o debate deve manter o respeito.

Reli esta semana todos os 28 exemplares do Jornal O Lampião da Esquina, projeto tido como o primeiro veículo de comunicação para homossexuais no Brasil, lançado em 1978, que tinha como um dos “cabeças” o próprio autor em questão. Aguinaldo Silva sempre foi bom na auto propaganda, em uma das edições, a primeira, seu nome aparece nada menos do que 62 vezes, nas 24 páginas do jornal. Outro ponto que você percebe é a desdenha ao trabalho alheio. O Lampião, que durou pouco mais de 3 anos, sempre criticava o Pasquim, projeto que era copiado na cara dura e por várias vezes satirizado pelos “gênios” de Lampião, que tinha ainda nomes como Darcy Penteado, João Antônio Mascarenhas, Peter Fry, Aguinaldo Silva e Silvério Trevisan, entre outros, em seu conselho editorial.

Aguinaldo Silva pode ser um gênio, mas isso não lhe dá o direito de generalizar. Ele pode estar idoso, mesmo assim tem direito à opinião própria e a ter um pensamento retrógrado, diferente do que defendeu em sua juventude. Ele ser gay não lhe torna porta-voz dos gays, e o mesmo vale aos militantes. O que incomoda, como o que ocorreu no dia 27, é o autor dizer: “Nao sei o que é pior nessa história toda em torno do preconceito: se a homofobia ou o vitimismo gay”. “Mas o fato é que os gays no Brasil entraram numa onda de “por favor, nos amem, somos coitadinhos!” Isso é detestável: fala sério!”. “O objetivo do politicamente correto e do preconceito é o mesmo: discriminar. Gay querendo ser politicamente correto? Fala sério!”. “Tem gay ativista dizendo que Crô presta um desserviço à “causa” por ser pintoso! Socorro Santa Madame Satã! Ah, fala sério ô viado!”. “Por isso deixei de ser ativista: porque, quando olho para uma pessoa, gay ou o diabo a quatro, o que eu vejo é apenas isso: uma pessoa” e “Cada pessoa é uma pessoa. Não existe isso de igualar pessoas por raça, sexo, religião ou preferência. Eu sou eu, você é você, somos únicos.”

Concordo em partes. Como “somos únicos” (sic) como ele pode dizer que todo ativista gay faz vitimismo ou pior, que de fato não são vítimas realmente? Conheço diversos casos de pessoas que foram atacadas por serem gays, tiveram armas apontadas, receberam ameaças de morte dentro de casa, sofreram bullying nas escolas ou ainda que morreram. Como pode ele questionar a dor de vítimas reais da homofobia, de dentro da sua redoma de vidro? Ora, ele deixou o ativismo pois este não era lucrativo, e pelo mesmo motivo assume a posição de politicamente correto a qual ele tanto critica. Pode falar as bobagens que quiser, mas enquanto houverem gays assassinados no país por causa de um preconceito besta, incentivado por novelas que pregam a eugenia e a a heteronormatização e gays conservadores que se acham seguros por que tem dinheiro, vitimismo não é uma frescura. Conheço muitos militantes que defendiam o mesmo ponto de vista, pois nunca tinham passado por preconceito e se achavam intocáveis. Infelizmente, a realidade bateu em suas portas um dia, por mais discretos e “sem rótulos” que eles eram.

Entrevistei há alguns anos o autor paranaense Wilson Bueno, durante a entrevista, ele pediu para não destacar seu trabalho como autor gay, ele havia até colaborado com o Lampião da Esquina e falávamos da revista Rose, uma revista que em nada lembra seus grandes livros, publicados no exterior. Ele disse que discordava do levante de bandeiras e algumas posições da militância, dizendo que o ser humano não precisava de rótulos e que o preconceito é realidade só para aqueles que se expõem demais. Finalmente, ele colhia os frutos de sua existência, em um sistema que, assim como Aguinaldo Silva, costumava questionar. Wilson Bueno morreu no ano passado, assassinado por um garoto de programa dentro de sua casa.

Se para muitos gays o mundo está bom, e eles não enxergam a importância de se lutar por IGUALDADE, ao menos que respeitem a dor e a esperança daqueles que possuem ou acreditam que possuem motivos para seguir lutando e não desistir. Não me venha falar de vitimismo, enquanto você já passou há muito tempo para o outro lado, por covardia ou conveniência. Mas o que mais irrita são pessoas que usam os gays para ganhar mídia, gays ou não, exploram o tema, a dor de muitos, e pouco colaboram. Esses não merecem o mínimo respeito.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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