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Aracaju: Travesti é assediada em ônibus, ameaçada com faca e jogada no meio da rua. Leia o chocante relato.

Redação Lado A 18 de Maio, 2014 20h54m

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A estudante de psicologia Sofia Favero, de 20 anos, de Aracajú, Sergipe, viveu momentos de terror dentro de um ônibus, na última quinta-feira, por volta das 18h30, quando ia para a faculdade. O coletivo estava lotado e a moça viajava de pé quando percebeu que uma mão avançava em suas partes íntimas. Ela questionou o homem que negou ter passado a mão nela. Cansada do assédio que as mulheres são vítimas no transporte coletivo, ela estava decidida a não deixar que aquilo se repetisse com outras mulheres, ao menos não por aquele assediador. Então, um outro homem a identificou como travesti, e ela assumiu sua transexualidade, o que passou a ser motivo de chacota ao agressor e violência contra ela, enquanto ela se defendia de um abuso sexual.

“Demorou, mas aconteceu. Eu virei uma estatística”, inicia ela o seu relato, depois de ter feito um boletim de ocorrência. Tudo começou quando um homem a apalpou, na segunda vez, ela deu uma cotovelada e falou alto: “Você perdeu alguma coisa com a mão na minha bunda?”. O rapaz começou a negar e a chorar, dizendo que foi sua bolsa, até que um outro homem gritou: “Você não apalpou uma mulher não rapaz, isso é um viado! Um traveco! Deve tá indo fazer programa!”. Perplexa duplamente, Sofia se defendeu e evocou as mulheres a defendê-la mas ela não recebeu apoio. O homem então sacou uma faca da mochila e ameaçou Sofia, ordenou que ela saísse do ônibus, mas ela o alertou que o ônibus possuía câmera de vigilância e disse que não iria descer.

Aproveitando que outras mulheres desceram do coletivo, ela saiu junto mas foi perseguida pelo homem com a faca que a empurrou, fazendo-a cair na rua. Ele então a agrediu no chão e ainda a disse que ela deveria agradecer a Deus por não ter sido morta por ele. O agressor voltou para o ônibus e seguiu viagem. Uma senhora transeunte ligou para a mãe de Sofia que foi até o local, em frente a sua faculdade. Ela ralou as mãos e o cotovelo, mas nada se compara as profundas feridas que o incidente de transfobia gerou em sua dignidade. 

Entramos em contato com Sofia que afirmou que pretende superar o episódio e disse estar focada nos processos judiciais que irá mover. Ela lamenta o que passou na página “Travesti Reflexiva”, no Facebook, recheada de relatos de homofobia de pessoas de todo o país. A página e a história real receberam milhares de apoios mas não são poucas as mensagens de ódio depois do incidente. 

Confira abaixo o relato feito por Sofia depois da transfobia grave que sofreu:

 
“Demorou, mas aconteceu. Eu virei uma estatística.
 
Hoje 15/05/2014 eu fui agredida por um homem, por ser Travesti.
 
Eu estava indo para a faculdade, onde curso psicologia… Quando senti que havia algo estranho entre as minhas pernas, não tinha ninguém atrás de mim, só do meu lado. Quando virei a cabeça para a direita e vi que o homem ao meu lado estava com a mão esquerda pra baixo, e essa mão estava entre as minhas pernas. Ele afastou a mão quando viu que eu olhei, só que como eu não havia dito nada, o fato voltou a acontecer. O motorista acabou parando o ônibus bruscamente em um sinal, e eu pude sentir que a mão do rapaz havia subido e estava na minha bunda. Virei a cabeça rapidamente, e os três dedos dele estavam encaixados entre a minha bunda.
 
Sou alta, mais alta do que ele, eu tenho 1,85. 
O meu braço direito estava na barra de cima do ônibus, foi esse mesmo braço que eu abaixei e dei uma cotovelada no homem. Eu disse BEM ALTO:
“Você perdeu alguma coisa com a mão na minha bunda?” 
– E-e-eu não to com a mão ai não, foi a bolsa.
“FOI A BOLSA O CARALHO! VOCÊ VAI PASSAR VERGONHA AGORA PRA NÃO REPETIR ISSO COM MENINA NENHUMA! ISSO QUE VOCÊ FEZ É UMA INVASÃO!”
– Moça você tá louca, tá vendo coisa, foi a bolsa!
“NÃO ESTOU LOUCA, EU VI A SUA MÃO! VOCÊ ESTAVA ME APALPANDO!” 
 
Como vocês sabem, eu sou TRAVESTI. Eu me identifico como Mulher. Mas não posso negar a realidade de que a minha voz é masculina – ainda mais quando exaltada.
Um outro rapaz, ao me ver gritando com esse POBRE HOMEM que não tinha “culpa de nada” (tadinho, ele estava até chorando para não ser moralmente culpado)… Começou a rir e disse:
– Você não apalpou uma mulher não rapaz, isso é um viado! Um traveco! Deve tá indo fazer programa!
Eu, respondi muito perplexa com as pessoas – inclusive mulheres – do ônibus que estavam rindo da situação, achando ENGRAÇADO que ele tenha se ENGANADO na hora de “encoxar”.
Como se eu não pudesse ter direitos, eu já sou OUSADA o suficiente para viver.
 
“Eu sou TRAVECO sim! Eu ESTOU INDO PARA A MINHA FACULDADE! E NINGUÉM! MESMO QUE EU FOSSE A MAIOR PUTA DO BRASIL TERIA O DIREITO DE ENCOSTAR A MÃO NA MINHA BUNDA! VOCÊS MULHERES DEVERIAM ME APOIAR AO INVÉS DE RIREM DE MIM, POIS ESSA MINHA REAÇÃO VAI IMPEDIR QUE ESSE NOJENTO FAÇA COM VOCÊS, O QUE ELE FEZ COMIGO.”
 
Esse rapaz que disse que eu era traveco tirou uma faca da mochila que usava e mandou eu descer do ônibus, ninguém disse nada. Segundo ele mesmo “Ele ia tirar o demônio do meu corpo!” Deus é sempre usado como escudo pra quem quer justificar preconceitos. 
 
Todo mundo havia parado de rir. Estavam de espectadores… Esperando “O Justiceiro” acabar com a escória, acabar comigo. Eu – Que não tenho direito ao meu próprio corpo, que se reclamar sou errada. Que devo agradecer que alguém me queira. Que sou usada como referência pela sociedade – “Aquela mulher é tão feia que parece uma travesti!” “Fulana é homem ou mulher?” “Beltrano comeu um traveco, deve tá cheio de doença!”
 
Não desci, esperei ele guardar a faca e disse calmamente a ele que o ônibus tinha câmera. 3 meninas pediram pra descer do ônibus e ele deu espaço pra elas descerem, aproveitei e desci com elas. Nisso, ele me deu um chute enquanto eu estava no ultimo degrau. Cai no chão. Riram de mim. Minhas mãos ralaram. Meu celular quebrou. Fiquei deitada na avenida Tancredo Neves (Em frente a faculdade onde estudo). O lixo. Ele – não satisfeito – desceu e deu dois chutes na minha cabeça e disse que meu lugar era ali. No asfalto. Que eu deveria agradecer porque ele não meteu a faca em mim.
O ônibus foi embora.
 
Todos estavam na janela, olhando pra mim. Nenhuma mulher gritou, nenhuma mulher me ajudou. Nenhuma mulher. Haviam várias.
 
Uma senhora desceu do carro que estava atrás e me deitou na calçada. Pegou meu celular e ligou pra minha mãe.
Minha mãe só disse:
“Eu estou indo pra ai agora! Porque você reagiu?”
– Mãe, eu cansei.
 
Vou amanhã ao IML e já fui na empresa de ônibus da minha cidade, vou conseguir essas gravações.
 
Fiz também um B.O, a delegada não acreditou que eu era uma Travesti. Ela me disse que eu lembrava a filha dela… Só não na altura, me pediu pra deixar 30 cm pra filha que é pequenininha… Mas só pude deixar minhas lágrimas. 
 
Sociedade, você criou pessoas doentes”.
Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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