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A covardia da futilidade

Redação Lado A 28 de Setembro, 2010 00h11m

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Então nos encontramos novamente. Anos depois. 8 anos, pra ser exato. Aquele foi o meu melhor amigo. Digo foi porque seguimos rumos diferentes. Enquanto ele caiu na noite eu arrumei as malas para estudar e trabalhar longe de casa. Poderíamos ter continuado, mas é aí que começa a minha nova história: Futilidade.

No último final de semana fui com meu namorado a uma festinha colorida, toda animada, cheia de pessoas dançantes e bêbadas. Adoro pessoas bêbadas porque elas conseguem mostrar suas caras! Confesso que saí de casa pensando na capacidade que as pessoas tem de superar suas próprias asneiras. Mas tudo fica melhor depois da primeira cerveja. E da segunda. Depois da terceira, então, é bem mais fácil ir para a pista e mexer o pé direito e o esquerdo de um lado para o outro, jurando estar executando um perfeito “moon walking”. Creio eu estar mais próximo da dança do ‘Tchutchucão’, mas isso não vem ao caso.

E lá surgiu o meu “ex-melhor amigo” – esse termo não deveria existir, mas fazer amizades anda tão fácil quanto desistir delas e a culpa não é minha! Me abraça de um lado, me beija do outro, paquera meu namorado e me oferece um gole de alguma coisa qualquer – desde que seja cara. Algumas pessoas deveriam permanecer quietas. E às vezes, aqueles caras que juram ser DJs só porque misturam “Alejandro” com ‘’Lua de Cristal’ deveriam aumentar o som. Por dois motivos: Para não precisarmos conversar com as pessoas chatas e para não entendermos a música horrível que os caras escolhem. Bem, quanto à música, vai do gosto, mas quanto às pessoas chatas…

– Oi, amiiiiiiiigo! – reparem a entonação do ‘iiiii’, antes do go. A vontade nessa hora, realmente, já é de “go”!

– Te adicionei no Facebook, você viu? – salvo que sites de relacionamento não servem APENAS para procurar homens possíveis de sexo fácil e passíveis de convencimento considerando a vontade louca de “afogar o ganso” em qualquer galinha que surge: tem muita gente que procura/constrói outros mundos, precisando de uma ferramenta SOCIAL, não SEXUAL; Só para constar que, se o cara tem um I-Phone pra fazer isso, um I-Phone de verdade, é porque, realmente, não perdeu tempo, se é que me entendem.

– Toma um pouco da minha bebida. Mas só um pouco, porque ela é caréééééérrima! – Então não oferece, caralho! Melhor: Não compra! Sai, conversando, bicando cerveja e cigarro de todo mundo, além da carona, é claro. Seria menos obrigatório; melhor sentirem-se obrigados a te sustentarem que a depender do pouco que pode oferecer. É fato.

– Hummmm – E lá vem o comentário maldoso, porque não tem como encontrar o velho amigo sem que ele diga que você está mais gordo ou mais magro do que desejaria – Olha sóóóóóó – entonações vocálicas são um sucesso! – viu quem tá olhando pra você? O fulano! Liiiiindo e gostooooooso. – enquanto isso o namorado da gente fica com cara de paisagem fazendo de conta que nada aconteceu: Em casa a gente ser acerta!

– Aff – e depois do aff, a destruição – Mas nem se empolgue: É pobre. Trabalha sei lá onde e ganha tanto por mês. Pega tal ônibus pra tal lugar e mora no bairro tal. – Vem cá… Se o cara, sendo pobre desse jeito deu todo o trabalho dessa pesquisa pro dito cujo, imagina se tivesse grana: CPF, RG e caminho exato na página da WEB que leva à situação cadastral no site da Receita Federal.

Eu juro que não foram nem cinco minutos de conversa. De monólogo, porque não consegui responder uma palavra frente ao bombardeio de prepotência. Incrível que, sem precisar perguntar, ao menos me interessar, soube que meu antigo melhor amigo estava tomando Kir Royale, custando R$13,00, estava com um boné da Colcci novinho, R$45,00, que a sua câmera digital de R$1200,00 estava na mesa com seu amigo – a pobrezinha não estava nem entre nós e foi colocada na conversa! – e que esse seu amigo estava com um carro importado que não consegui entender qual era e iriam para a festa VIP de sei lá quem não sei aonde.
Engraçado. Isso tudo e a única coisa que consegui ter certeza, a única verdade naquele momento era que ele tinha tudo aquilo ali mas não tinha sequer uma oportunidade para conversar com aquele cara pobre que ele tanto desfez. Engraçado porque no final da festa ele me pediu uma carona. Imaginem só: O amigo dele foi sem ele. Que maldade! Ainda foi com sua máquina. E é claro: com seu dinheiro.

Isso soa com alguma familiaridade? Pois é. Segundo a frase dessa mesma inspiração do final de semana: QUEM NASCE PRA SER REI NUNCA PERDE A MAJESTADE. Trocando em miúdos: Futilidade.

É gente fútil que costuma se apoderar dos bens alheios. Claro, é muito mais fácil considerar que o namorado, a melhor amiga, o papagaio, o filho da cunhada do patrão da irmã tem isso, fazem aquilo. Engraçado como sentir-se próximo de algo almejado já confia até propriedade. Muito engraçado.

É futilidade essa coisa de juntar os últimos R$15,00 que sobraram do salário do mês, entrar de graça porque nessas horas a falta de grana deixa qualquer pessoa simpática e amiga -incrível como adoram fazer amizade com promoters, donos de bar e patricinhas simpatizantes! – e comprar aquele drink ‘famosééééééérrimo’ (aos poucos entro no ritmo das vogais super-átonas!) e sair pela festa esbarrando em tudo e todos: Ei, me vejam! Eu sou VIP!

Meus caros… Tenho de admitir que futilidade, tal como plantar flores ou jardins é tão opcional quanto considerar-se uma mulher casadérrima ou um macho pegador. É questão de escolha. Cada um sabe bem o que atribuir a sim mesmo. Agora, cá entre nós… Quão fútil pode ser considerada uma pessoa que sai por aí, pisando em ovos, jurando flutuar, quando a verdade é que, no fundo, é tudo medo. O medo de assumir a verdade. O medo de olhar no espelho e não gostar daquilo que vê. O medo de abandonar a facilidade de seguir os demais, todos iguais, dançando no mesmo ritmo. O medo de ser diferente na essência, não na aparência. O medo de assumir que o meio não está mais acessível, o que torna mais fácil mentir. Medo de encarar que os fatos podem ser, sim, discutidos. O medo, que tenho visto, de amigos que se perderam dentro das próprias expectativas, enquanto o tempo vai passando e continuam enxergando um mundinho colorido, enquanto a realidade, esta sim, faz-se nebulosa.

É futilidade fechar os olhos para o mundo real, enquanto é covardia fingir que a verdade é absoluta. Assim sendo, tenhamos pena de quem for fútil e covarde, afinal, podemos os ajudar, abrindo seus olhos. E, caso não concordem, tapando os ouvidos, porque a “futilidade-covarde” não merece a honra de ser ouvida. Tampouco comentada.

E se o for, é porque alguém se importa.

Agradecimentos
¹ Nesta publicação quero agradecer ao Editor, Allan Johan, pela oportunidade a mim confiada na última quinta-feira, bem como pela simpatia ao oferecer-me uma coluna na Revista Lado A. Certa vez a grande poetisa curitibana Adélia Maria Woellner, em minha primeira publicação junto à Escola de Governo do Paraná, disse que Deus, quando nos confia o dom da palavra, da escrita, como faz frente a inúmeros dons, fecha muitas portas. E Deus abre janelas. Resta a nós decidirmos se ficamos a fitar a vida passar da vista tranqüila da janela. Ou se a pulamos e vamos, longe, a descobrir o mundo!
Allan, obrigado por nos incentivar a pular!

² Aos leitores e críticos que, ao fecharem portas, também nos incentivam a pular a janela: Obrigado!

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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