– Quero pica!, disse um rapaz.
-É amor que fica!, respondeu-lhe um amigo.
Contei este diálogo a várias pessoas, em Curitiba, em abril de 2014: os jovens de classe média riram, inclusivamente uma moça; três de classe baixa (duas jovens e um de meia idade) não lhe acharam graça nenhuma e fitaram-me com má cara.
Serve como índice de mentalidades: mais natural, na classe média, em relação à sexualidade e malgrado o calão; hostil à liberdade de costumes em relação à sexualidade, na classe sub-média, se bem diagnostiquei a reação de umas e outras.
Os da classe média atentaram à graça humana da resposta e, talvez, à rima, e não a associaram a mim; os da classe sub-média escandalizaram-se, talvez, intimamente, com o seu conteúdo homossexual e talvez hajam-na relacionado comigo. Aos primeiros, pouco se lhes deu se o amor que ficava era meu ou se a resposta foi puramente poética (como o foi). Nos segundos, funcionou o modelo mental em que, consciente ou inconscientemente, julgaram o autor da primeira frase, o da segunda, ou ambos, e os desaprovaram.
Para a classe média jovem, a homossexualidade não é problemática; para a sub-média, é-o.
Como dizia A. Comte, as pessoas são desigualmente contemporâneas: alguns estão em 2014, quero dizer, aceitam os costumes deste tempo e a liberdade de ser e de viver. Outros, vivem trinta anos atrás. Coincidem o arcaísmo mental e o pertencimento à classe baixa, em que baixa equivale à condição econômica, à sub-instrução e, no Brasil, freqüentemente, ao evangelismo.
Bendita classe média, de mente aberta, instruída, educada e laica.
Fora poeta e empregaria a rima para versejar. Fora tosco e riria da conotação sexual do chiste. Mas contei-o pela graça da resposta e pela rima; de longe, apenas de longe, lembrei-me do seu sentido genesíaco, com indiferença. Algumas pessoas só pensam em sexo: foram, possivelmente, as que me olharam torto, porque, na sua tacanhice, incapazes de perceber o divertido do diálogo.
Não faltará algum hipócrita ou mais um tacanho ou reprimido ou evangélico que me tache de desbocado.
A leitura de Liberdade sem medo (de A.S.Neill) levou-me à conclusão de que pessoa, família, povo desbocado em relação à sexualidade, é pessoa, família, povo reprimido sexualmente, nas suas práticas e linguajar. Não podendo nominar abertamente as partes do corpo e os comportamentos eróticos, criam-se sucedâneos lingüísticos que os designem, que pertencem ao calão e à gíria. Quanto mais rico o calão sexual, tanto mais reprimidos sexualmente os seus falantes.
Variantes: amor de pica é amor que fica; amor de pica, quando bate, fica. (Abril de 2014).
Arthur é advogado, professor universitário, escritor e filósofo.