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A realidade além das redes (anti)sociais

Redação Lado A 18 de Agosto, 2014 21h41m

Recentemente assisti o filme “Ela” (2013, de Spike Jonze), retratando a história de amor entre humanos e sistemas operacionais, os quais têm uma inteligência artificial capaz de desejar, sentir e evoluir como a mente humana. Não desmereço a parte sentimental mostrada no filme, assim como uma frase nele diz “Amor é um tipo de insanidadade socialmente aceitável”, acho que sim é possível amar homens, mulheres, qualquer outro gênero que podemos nos definir no Facebook e até mesmo uma entidade virtual — mas no fundo o filme é uma grande crítica à sociedade sempre conectada em que vivemos, e do que o futuro nos reserva. Cada vez mais dependemos da tecnologia para fazer as coisas mais banais. Isto é exacerbado pelo trabalho do protagonista do filme em uma empresa especializada em escrever belas cartas à mão, uma arte que já é perdida no presente. Porém, estas cartas “escritas à mão” são criadas por um software que imita a escrita humana, simulando inclusive suas imperfeições e erros. Há um paralelo com nossa realidade quando por exemplo, delegamos à tecnologia coisas que deveriam ser feitas por nossas próprias mãos, substituímos o real pelo virtual.
 
Eu também tenho culpa de fazer parte desta máquina, deste mundo digital onde somos ouvidos mas não somos vistos, onde escrevemos e falamos ao mesmo tempo, onde lemos e conversamos ao mesmo tempo, onde ficamos horas juntos mas sem fazer contato visual. Tenho 982 amigos mas, mesmo assim, estou só. Falo com eles todos os dias, mas mesmo assim, nenhum deles me conhece de verdade. O problema que tenho situa-se no espaço entre olhar nos olhos ou ver um nome em uma tela. Refletindo sobre, percebi que esta mídia que chamamos de social é tudo exceto social. Quando abrimos nossos computadores, são nossas portas que fechamos. Toda esta tecnologia que temos ajuda a criar uma ilusão. Isto cria uma sensação de comunidade, companheirismo, um senso de inclusão, mas quando olhamos além destes dispositivos de ilusão, acordamos para ver um mundo de confusão.
 
Um mundo onde somos escravos da tecnologia que controlamos, onde nossas vidas são monitoradas e nossas informações são vendidas por corporações que enriquecem invadindo nossa privacidade, ao qual lucidamente damos permissão disso ao aceitarmos termos de uso dúbios sem os ler e compartilharmos todos os detalhes de nossas vidas com prazer. Temos medo de um mundo distópico onde somos controlados por organizações venais, porém isto já acontece, é o caso como de “Big Brother está lhe observando”, do romance 1984 de Orson Wells, mas na vida real. Um mundo de interesse próprio, autopromoção e narcisismo — onde todos nós divulgamos o que temos de melhor, mas deixamos as emoções de fora. Vivemos com expectativas irreais, ideais de beleza são construídos em horas de edição e tratamento de imagens, feeds povoados de versões artificiais de nossas vidas, milhares de fotos enviadas com a expectativa de muitas “curtidas”, mas ainda assim não há satisfação.
 
Acreditamos regojizar uma experiência que compartilhamos, mas seria o mesmo se não houvesse ninguém lá? Se não tivéssemos um público para invejar a nossa tão bem curada vida online? Editamos e exageramos, anseamos pela adulação porém fingimos não perceber nosso isolamento social. Organizamos nossas palavras para soar motivacionais, tingimos nossa vida com um filtro cor-de-rosa onde tudo sempre está bem, mas nem sabemos se alguém está realmente prestando atenção. Seja presente, esteja lá para os seus amigos no que precisarem, e eles estarão com você também — mas ninguém estará se uma mensagem de grupo já basta.
 
Estar sozinho não é um problema, realmente. Se exercitarvos a mente ou o corpo, estás sendo produtivo e presente naquele momento. Ao invés de reservado e recluso, você está acordado e atento, aplicando o tempo em algo que valha à pena. Não precisas ficar olhando incessantemente para uma tela, vendo informação aparecer mais rápido do que podes processar e provavelmente esquecerás alguns minutos depois. Então quando estiver em público, e começar a se sentir sozinho — largue o celular, ponha as mãos atrás da cabeça, apenas fale com outras pessoas ao vivo, aprenda a coexistir.
 
Não aguento ouvir o silêncio de um transporte público onde ninguém quer falar por medo de parecer louco. Estamos nos tornando antissociais, não é mais suficiente nos envolvermos uns com os outros e olhar nos olhos de outra pessoa. Estamos cercados por uma nova geração de crianças que desde que nasceram nos viram viver como robôs, e agora pensam que este é o padrão. Será muito difícil um dia ser “O Melhor Pai do Mundo”, se não consegue entreter uma criança sem ter que usar um iPad. Crianças não foram feitas para ficar trancadas em casa, apenas se acostumaram. Devem é estarem na rua com amigos, andando de bicicleta, machucando os joelhos, sujando e rasgando roupas, subindo em árvores. Então olhe além da tela de de seu aparelho, absorva o que está ao seu redor, faça o melhor que possa fazer do dia de hoje. Apenas uma conexão real é tudo que é necessário para perceber a diferença do que estar presente realmente faz.
 
Imagine ficar fora da rede por um dia, em vez de pesquisar o GPS para encontrar o lugar onde deveria ir, parou uma pessoa na rua e pediu informações. Esta pessoa lhe ajudou, criaram uma conexão, manteram contato e por aquele pequeno acaso do destino, surgiu uma conexão emocional sólida. Possivelmente uma companhia pra vida toda, até filhos, netos, quem sabe?
 
Mas infelizmente as probabilidades de algo assim acontecer são muito remotas se estás muito ocupado olhando para baixo — você não vê as chances que perde. Então olhe para cima, além do seu telefone, desligue estas telas. Nós temos uma existência curta, um número limitado de dias. Não desperdice sua vida preso na rede, pois quando chega a hora, nada deve ser pior do que o remorso.
 
Então não viva seguindo as tendências. Dê o seu amor às pessoas, não dê a sua “curtida”. Desconecte-se da necessidade de ser ouvido por milhares e definido por caracteres, saia no mundo, dê importância à conexões reais. Olhe para cima além do seu dispositivo. Desligue esta tela. Viva a vida real.
 
Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa


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