O tema da invisibilidade é muito popular na ficção científica, literatura fantástica, cinema, quadrinhos e televisão. Vários personagens invisíveis já povoaram a nossa memória. Muitos super-heróis que conhecemos possuem o poder da invisibilidade, o que funciona como uma forma de proteção contra os potenciais perigos e inimigos. Na chamada “vida real” ou vida social a invisibilidade longe de ser uma forma de proteção, consiste antes em uma forma de segregação social, de morte lenta, sistemática e simbólica do outro devido a uma diferença essencial que é negada ou não aceita socialmente.
A invisibilidade social é o atributo ou característica de não ser visível perante o outro, o que no caso das pessoas LGBT consiste no fato de não “serem vistas”, ou seja, de não obterem reconhecimento social dos demais grupos sociais, especialmente dos grupos sociais heterossexuais conservadores ou reacionários.
O conceito de invisibilidade social tem sido utilizado pela sociologia quando se refere a pessoas socialmente invisíveis, isto é, pessoas que ocupam posições menos valorizadas, ou que não ocupam posições reconhecidas, devido à indiferença ou ao preconceito social. O fenômeno atinge todas as pessoas que de alguma forma se encontram à margem da sociedade. Existem várias formas, tipos e níveis de invisibilidade social, tais como a religiosa, a econômica, a racial, a sexual, a etária, a laboral, entre outras.
No caso específico da invisibilidade social que atinge as pessoas que possuem orientações sexuais, identidades sexuais e/ou identidades de gênero não heterossexuais convencionais, a falta de compreensão (homobilesbotransignorância) e de aceitação de grande parte da nossa população por motivos que vão da falta de informação até razões religiosas, coloca ainda, apesar de todos os avanços, a maior parte da comunidade LGBT à margem da sociedade e, consequentemente, em uma situação de fragilidade e de invisibilidade social.
A invisibilidade social, fruto da intolerância às diferenças sexuais e de gênero, se traduz na ausência de direitos sociais básicos, na desigualdade de oportunidades no mercado de trabalho, nas limitações à expressão espontânea de afeto em público, ou ainda, no discurso de ódio travestido de liberdade de expressão em relação aos diferentes subgrupos que integram a comunidade LGBT, e que são expressos na forma de piadas, brincadeiras depreciativas, ou mensagens que colocam essa parcela da população como pessoas “anormais”, hipersexualizadas, perigosas, com problemas mentais ou que possuem chances maiores de cometerem crimes.
É o que acontece, por exemplo, quando um trabalhador homossexual assumido decide revelar publicamente sua orientação sexual em um ambiente de trabalho conservador, passando a ser foco de comentários maldosos e brincadeiras de mau gosto, a ser ignorado, depreciado e agredido verbalmente. Tudo isso faz com que ele se isole, tenha sua auto-estima afetada negativamente, o que acaba por prejudicar o seu desempenho profissional, fazendo com que ele seja demitido ou desista de lutar por seus direitos. A esse fenômeno se dá o nome de processo de invisibilização por assédio moral no trabalho.
Entender a situação psicossocial negativa na qual as pessoas LGBT se encontram atualmente é essencial para ajudá-los a reconhecer essa realidade e motivá-los a lutar para diminuir ou eliminar a invisibilidade social. Por exemplo, os homossexuais masculinos, de modo geral, apesar de terem consciência do preconceito que os LGBT sofrem diariamente, especialmente aqueles mais assumidos ou com comportamentos afeminados, que são os que mais sofrem violência física explícita, normalmente não têm consciência da invisibilidade social a que eles próprios são submetidos ou permitem que ocorra, na medida em que, na maioria das vezes, escondem ou dissimulam a sua orientação sexual com medo justificável de sofrerem repressão ou violência por parte dos heterossexuais que são preconceituosos e violentos.
Mas, de onde surge a invisibilidade social a que os LGBT são submetidos todos os dias? É impossível falar a respeito disso sem recorrermos à história humana, de uma forma geral. Essa situação é mantida pelo cruzamento de dois conjuntos de fatores sociais e psicológicos. O fenômeno da invisibilidade pública que está diretamente relacionado à segregação social em classes, incluindo aí a divisão sexual clássica, que não foi invenção do capitalismo, mas que o sistema capitalista perpetuou e naturalizou, assim como também é sustentado por aspectos psicológicos, ou seja, que residem nas dificuldades que os LGBT enfrentam para construir e assumir uma identidade sexual ou de gênero positiva.
Assim, os aspectos centrais da invisibilidade LGBT têm a ver com uma segregação social histórica, uma vez que quanto mais distante de mim, “sexualmente falando”, o outro se encontra maior a probabilidade de uma pessoa ficar automaticamente invisível aos meus olhos. E não há como acabar com a invisibilidade social por motivos de sexo e de gênero sem que haja uma reordenação na maneira tradicional como os gêneros são pensados e construídos socialmente. Não podemos esquecer, levando em consideração as evidências científicas de referência sobre a sexualidade humana, que a maneira como a nossa sociedade ainda cola as pessoas em identidades sexuais fixas e únicas é antinatural, pois a expressão da sexualidade humana sempre foi plural.
A tradicional divisão sexual em homem e mulher não representa toda a gama de possibilidades de construções identitárias que os seres humanos possuem. Então, para acabarmos com a invisibilidade social em relação ao sexo e ao gênero, necessariamente, deveríamos recorrer a uma nova ordenação social destes aspectos em que não estivéssemos fixados por uma determinação de natureza biológica ou cultural.
Tornar a orientação sexual ou de gênero visível é a única forma de romper o tabu sobre as expressões da sexualidade não convencionais e quebrar o silêncio mortal que ainda paira sobre ela, desafiando as noções dominantes e conservadoras, além de abrir novas possibilidades de expressão e afirmação da identidade aos que pertencem aos grupos LGBT.
Os caminhos que devem ser trilhados na busca da igualdade em relação aos direitos humanos e a cidadania dos membros do grupo LGBT estão baseados no reconhecimento das diferenças de sexo e de gênero, e na legitimidade de suas manifestações no espaço público. A mudança de mentalidade ou de paradigma somente virá através da ação, isto é, em razão da coragem e de uma maior visibilidade pública das pessoas LGBT. E isso depende de que um número cada vez maior de pessoas LGBT expresse a sua orientação sexual, identidade sexual e de gênero sem medo e com orgulho.
Paulo Cogo é professor de Psicologia e Psicólogo Especialista em Psicologia Transpessoal pela UNIPAZ, atuando nas áreas clínica e organizacional, dentro do enfoque da Psicologia Afirmativa; Doutor e Mestre em Sociologia pela UFRGS.