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A pesada cruz que carregam todas as mulheres travestis e transexuais

Redação Lado A 10 de Junho, 2015 14h17m

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Jogadas para o final da sigla reducionista LGBT, as travestis e transexuais, também conhecidas como transgêneros, representam o que há de mais marginal em uma sociedade conservadora e classificadora como a nossa. Muito além do “travestis não desejam operar” e “transexuais são pessoas que nasceram com o corpo de um gênero e alma de outro”, as especificidades e desafios de ser transgênero começam cedo e é uma luta que parece não ter fim. Entenda primeiro que ser transgênero não significa ser necessariamente homossexual. Orientação sexual e identidade de gênero são questões completamente separadas.

Desde cedo, travestis e transexuais se percebem diferentes. As transexuais heterossexuais tem como objeto de desejo pessoas do mesmo sexo com o qual nasceram mas se identificam com a identidade de gênero diferente. Muitas transexuais e travestis acabam se identificando como homossexuais no primeiro momento, antes de entenderem que o que a falta é compreender que possueem a identidade de gênero diferente do sexo registrado em seu nascimento. Isso causa uma angústia que demora para ser descoberta, assumida publicamente, entendida. Como podemos ver no caso de Caitlyn Jenner, atleta olímpica dos EUA que aos 65 anos apenas assumiu ser transexual, depois de ser símbolo de masculinidade durante toda a vida. Ou mesmo a cartunista brasileira Sônia, que até os 61 anos de idade viveu como homem. Ambas casadas com mulheres, viviam como homens, mase que sabiam desde cedo quem eram e a quem o preconceito as fez sufocar até onde puderam o “segredo” de que viviam com o gênero “errado”.

Nas famílias, o “transexualismo” ou “travestismo” não é compreendido e muitas vezes isso representa uma barreira crucial na vida das jovens transgêneros. Suicídios, auto flagelação da genital, expulsão de casa, assassinatos e espacamentos fazem parte da história de muitas travestis e transexuais, de quase todas na verdade.  O segundo passo é o reconhecimento do direito e necessidade de realizar a “transformação”, momento em que assumem esteticamente ao mundo quem são. No Brasil, a lei restringe esta mudança para depois dos 18 anos de idade, e os pais raramente apoiam ou entendem sua importância, o que faz com que muitas características do gênero a ser abandonado já estejam desenvolvidas no corpo das travestis e transexuais. Apesar do governo hoje fornecer o tratamento hormonal, em algumas capitais por meio de centros especializados, por falta de acesso muitas ainda se utilizam tratamentos sem acompanhamento.

No caso das travestis, o uso de silicone industrial é frequente, pois existe uma pressa (e necessidade) em se tornar mulher o quanto antes, uma questão existencial forte, e muitas vezes a necessidade se soma ao concorrido mercado do sexo, única fonte de renda que encontram para pagar o caro processo de transformação. A prostituição ainda é a saída para muitas transexuais femininas, pois oferece a oportunidade de adquirir o novo corpo e aproveitar a juventude. Não são poucas as mortes causadas pela inserção de materiais não cirúrgicos e cirurgias clandestinas em travestis e transexuais no Brasil. E quando não estão no mercado do sexo recebem propostas como se estivessem à venda, por serem travestis ou transexuais, por conta do estereótipo criado. A violência das ruas também vitimiza parte da comunidade, toda a semana temos o registro de morte de transgêneros no país.

O “transexualismo” e o “travestismo” são doenças listadas no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde. Apesar da recente demanda para retirar a classificação da lista de “Transtornos mentais e comportamentais”, a despatologização, há o medo de que as políticas públicas deixem de fornecer hormônios, próteses e cirurgias. Ou seja, transgêneros são consideradas doentes e há o dilema de não negar a doença pois perderiam a obrigação do Estado em promover ações que ajudem no processo  de conseguir o corpo desejado e importante para a paz interior de se sentir pertencente ao gênero ao qual se identificam.

Ou seja, além de incompreendidas, chamadas de pecadoras e aberração por pessoas que não entendem o que elas passam, oficialmente, elas precisam ser chamadas de doentes. Por falar em como são chamadas, a mudança de nome é outra batalha. Apesar de algumas políticas públicas para que sejam chamadas pelo “nome social”, ainda ocorre que são nomeadas pelo nome de batismo com frequência, de forma proposital ou não. Apenas com um longo processo judicial elas conseguem alterar o prenome e gênero nos documentos. Até lá, precisam contar com o bom senso, raramente existente, e perguntas se mudou de sexo, piadas, usam o artigo errado, se referem a elas com o gênero equivocado, e sempre possuem a necessidade de andar com decisões judiciais e documentos que comprovam o direito de usar o nome que as representa corretamente. Como se elas existissem apenas no próprio imaginário e não fosse uma pessoa real, com direitos e cidadã. E isso nunca acaba…

A cirurgia de readequação genital, o complemento final físico para se conseguir o exterior de acordo com o sentimento interno é uma das barreiras que mais gera sofrimento. Apesar de oferecida pelo SUS, as filas tem previsão de mais de 10 anos de espera. A cirurgia tem custo em torno de 50 mil reais no mercado privado e o valor pode aumentar com o caro e trabalhoso processo pós cirúrgico. As dificuldades são tantas que muitas não consideram a readequação genital, pelo custo, medo do resultado ou ainda pelo conformismo de que a sociedade não mudará seus preconceitos quando a ela, mesmo depois de “mudarem de sexo” com uma operação traumática.

O preconceito com certeza é a maior cruz na vida de uma transexual ou travesti. Poucas conseguem terminar os estudos e menos ainda conseguem bons empregos que ajudem a custear uma vida cheia de tratamentos hormonais e intervenções cirúrgicas. Antes, as transexuais femininas sonhavam em assumir uma vida heterossexual clássica, sem se identificar como operada. Hoje muitas delas se identificam como mulher trans, buscam lutar pelos direitos do grupo e o orgulho em ser uma mulher transexual. Por causa da falta de aceitação e marginalidade, muitas travestis se identificam como transexuais, a fim de diminuir a carga de preconceito que recebem.

Uma vida cheia de percalços e dificuldades é o que espera quem nasceu transgênero. A ânsia de conseguir se sentir completa e feliz as empurra ao desespero. Não são poucas as que desenvolvem transtornos mentais por conta da amarga e difícil vida que encaram, ou caem nas drogas ou se matam. Não adianta dizer que devem ter calma, pois as expectativas de vida dizem que são poucas que chegam aos 60 anos. Vistas como terceiro sexo em alguns países, travestis e transexuais são tratadas mais como seres mitológicos do que como seres humanos. Se a comunidade gay galgou um longo caminho até ter seus direitos reconhecidos, as travestis e transexuais ainda demandam de muitos direitos a serem reconhecidos. As políticas públicas não são suficientes e suas necessidades reais incompreendidas.

Em termos de agressões, elas são o alvo preferencial, muitas por estarem nas ruas à noite ou quase todas por serem mais facilmente identificadas. Apesar de não serem gays, na hora da visibilidade elas contribuem muito com a causa gay, mas na hora da violência são as que mais sofrem. Seus corpos são suas bandeiras, e a invisibilidade não é uma opção para elas. Mesmo assim elas ainda são vítimas de preconceito dos próprios gays, como se não bastasse o que recebem do resto da sociedade.

Tudo sem citar ainda que após a morte correm o risco de serem enterradas com vestimentas masculinas e nomes de batismo por suas famílias, ou ainda ter a foto estampada em uma coluna policial se for uma morte violenta a qual todas estão sujeitas a correr o risco de serem vítimas. 

Então, quando você ver uma transexual ou travesti, seja crucificada em uma Parada LGBT, estudando ou trabalhando, mesmo que seja fazendo ponto na rua, ou dançando na balada, se lembre que ali está um ser humano que luta para sobreviver a meio de tantas injustiças, descaso e falta de informação. Assim como todos nós, elas já enfrentam as dificuldades comuns a todos e precisam ainda encarar os desafios que apenas a elas são lançados. E só por isso elas já merecem o nosso respeito e apoio para conquistar a dignidade que não lhes foi nunca oferecida.

 

 
Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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