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Enterrando e desenterrando cadáveres de ex namorados

Redação Lado A 24 de Julho, 2015 20h54m

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Aos 19 anos eu tive um grande amor que durou pouco mais de um ano. Foi intenso, imaturo e marcante, ao menos para mim. Éramos crianças. Terminou por telefone, depois de uma série de sucessivas brigas: “eu não aguento mais”, disse ele chorando. Eu era imaturo, reagi da pior maneira possível. Havíamos combinado durante o namoro que se algum dia terminássemos, teríamos que fazer algo para que não houvesse possibilidade de volta, já que ele ficou no vai e vem com o ex anterior alguns meses. Eu fiz: Liguei para a mãe dele, que não sabia que ele era gay, e exigi as minhas coisas de volta (antes da separação definitiva devolvi tudo o que ele havia me dado), queria as coisas que dei para ele de presente. Não disse para a mãe dele que ele era gay diretamente mas foi como se fosse e fui crucificado por isso. O real motivo da briga da separação foi que ele estava se falando com um cara com quem ele havia ficado antes de nos conhecermos e que deu um pé na bunda dele. Depois eles até namoram.

Fiz questão de relembrar essa história e contar a sequência, pois muitas pessoas ouviram versões discordantes, algumas me viraram a cara, até hoje percebo amigos em comum me olhando torto. Sim, eu o ameacei, sim, eu fui filho da puta, liguei para a mãe dele. Mas talvez as pessoas nunca tenham questionado o meu ponto de vista, aí está o resumo. Em raras oportunidades eu me preservei, aquela foi uma dessas pois eu estava imensamente machucado.

Passados 7 anos sem ter amado novamente, embora eu tenha tido um namoro de 2 anos ao qual eu falava que não o amava pois ainda amava o ex, eu conheci alguém. Coitado dessa pessoa que me amava e eu maltratava, a ponto de terminar pelo telefone (sim, eu descontei nele). O meu motivo foi que ele começou a faculdade e me exclui do Facebook dele, não aceitei. Esse novo alguém, por acaso, a quem eu amei nos últimos sete anos, era fisicamente idêntico ao meu primeiro amor, bocão e tudo, personalidade, descendência, sagitariano (bem como o que eu terminei), enfim, depois de mais de 10 anos sofrendo pelo meu relacionamento eu pude dizer que estava curado.

Eis que sem eu imaginar a pessoa termina comigo por Facebook. Diz que estava cansado e que “não aguentava mais”, além de argumentos comuns em relacionamentos desgastados com o tempo. Claro, tivemos brigas por ciúmes, na última delas há um mês ele teve um ataque de ciúmes que me deu até orgulho, sinceramente achei mesmo que ele me amava apesar de não demonstrar sentimentos, como o primeiro. De repente tudo volta na minha cabeça. Obviamente eu tenho que me colocar como protagonista e não vítima desse “acaso” do destino, eu provoquei esse flashback do terror. Eu me permiti entrar na mesma situação que ironicamente teve o mesmo desfecho.

Procurei em alguém curar um trauma do passado. E 14 anos se passaram e eu tenho que ter hoje uma reação mais madura. A primeira parte foi contar a minha versão, para que as pessoas não pensem que um ou outro ex foi desleal. Podem ter sido covardes sim mas as situações são desafios diferentes para pessoas diferentes. A verdade é que eles pouco se importaram com a nossa relação. Nas duas ocasiões eu estava muito fragilizado, na primeira eu tinha acabado de ser expulso de casa de modo traumático, na segunda, como sabem, aprendendo a conviver com um cisto cerebral que ainda não decidimos o que fazer com ele. Talvez por isso eu tenha me abalado tanto.

Temos que aprender com os relacionamentos que não dão certo. Recebi alguns feedbacks interessantes para me autoconhecer e me tornar uma pessoa melhor. Ironicamente mais uma vez, há pouco mais de um mês, eu comentei com o meu então namorado o quanto eu era grato por tudo isso que ele fez por mim, por ter me curado daquele amor do passado. Omiti a parte do fim do relacionamento ter sido por telefone, acho. Não tenho dúvidas de que eu me iludi e que o mundo dá voltas.

Prova disso é que no ano passado eu e o primeiro namorado conversamos em uma festa. Não creio que algum dia seremos amigos, mas concordamos que erámos jovens demais. No mesmo dia ele me expulsou de um evento em que ele estava trabalhando, seguindo ordens, dizendo que era para a imprensa sair da sala. Saí, levei como uma provocação pessoal, pois só eu era  jornalista no lugar. A verdade é que eu estava atendendo um cliente, não era imprensa, se eu quisesse teria ficado. Mas a maturidade me ensinou muita coisa. Ri depois ao contar ao cliente sobre o caso. Nunca contei isso a ele.

Acredito que faz parte da vida viver e reviver, até aprender. Agradeço a oportunidade de aprender todos os dias e poder partilhar isso com os leitores.

PS: E desejo que os meus exs sejam muito felizes pois discordo da frase ex bom é ex morto.

 

Allan Johan é jornalista, ativista, editor e desde 1999 mantém o Blog do Johan, uma das primeiras páginas pessoais gays do país, hoje na Lado A.
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SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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