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O mínimo que você precisa saber antes de desistir de um relacionamento

Bruno Uerba 22 de Janeiro, 2015 23h08m

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Um pedaço de papel; Um carimbo de firma reconhecida; Dois anéis; E um padre no meio pra dizer Amém. Isso é casamento – não amor.
 
Amar não é algo tão simples como parece.Passamos toda uma existência buscando porto seguro nos relacionamentos, terra firme no coração de terceiros e exigindo do nosso parceiro uma solidez decretada numa cerimônia que não passa de um ritual.

Quando mergulhamos na realidade, sabemos que é preciso ter coragem para dominar o medo do tédio, da rotina que ganha espaço a cada dia, do sexo que passa de paixão à obrigação como num passe de mágicas, da falta de novidades que acorda o monstro da inquietação. Temos a necessidade de sermos surpreendidos o tempo todo e quando menos esperamos nos pegamos flertando com o proibido, querendo provar o sabor de outra primeira vez, ser desejado como um adolescente à flor da pele cuja vida se resume em babado – confusão e gritaria.

E onde foram parar as juras de amor eterno, aquela paixão do último capítulo de novela que rendeu inúmeras fotos nas redes sociais? Em que momento as pessoas se perdem umas das outras? 
 

A falta de desafios mata uma relação de pouco em pouco, como um conta-gotas. E de uma hora pra outra vemos tudo desaparecer na nossa frente. E, ao invés de agirmos com sabedoria, estragamos tudo de uma vez por todas, trocando ofensas e sujando as nossas mãos com atitudes imperdoáveis.

Quantas histórias não se desfazem porque o vaso da sala quebrou; porque alguém cometeu o erro de curtir uma foto de algum desinibido sem camisa; ou, porque mensagens trocadas no WhatsApp vieram à tona? Hoje, é preciso de pouco para que duas pessoas desistam de seguir adiante. Todos os dias a vida vai nos oferecer inúmeros motivos e alternativas para deixarmos o nosso amor em troca de uma ilusão. O cartório e a igreja perderam espaço e sobrou apenas um contrato que pode ser desfeito a qualquer instante, sem muita cerimônia. Os dois irão se afastar, os amigos se aproximarão passando as mãos na cabeça, ‘Relaxa amigo, você vai encontrar alguém que te valorize’, o mesmo discurso das nossas mães super protetoras que sempre nos mimaram com a lavagem cerebral de que merecemos o melhor e que ninguém é suficiente.
 

Então basta que uma das partes se aborreça e trocamos de cama com uma velocidade maior do que se trocam os lençóis. Trocamos de casa, as pessoas que vivem nela e voltamos ao ponto de partida, repetindo o mesmo ciclo que é basicamente assim: 
 
Você conhece uma pessoa, vive alguns instantes que comprovam as afinidades. O sexo é forte, frenético e vai de amorzinho à selvagem numa facilidade louca. Você se sente adolescente quando já é adulto e se sente adulto quando é adolescente. O cheiro hipnotiza, o toque da pele chega a dar arrepios na espinha, os defeitos são insignificantes, as qualidades nos fascinam, as conversas fluem e são pra lá de prazerosas. Você descobre no decorrer da convivência que ele faz um risoto ao funghi como ninguém, que ele já viajou meio mundo, sabe trocar a maçaneta da porta, tem qualidades que seu ex jamais sonhara ter. É novidade atrás de novidade. ‘Por onde você andou esse tempo todo?’. 
Sendo bastante otimista, toda essa fantasia vai durar uns dois anos, no máximo.
 
Na etapa seguinte, vem o comprometimento. A grande maioria das pessoas, nos dias de hoje, não chega nem próximo dessa fase onde acontece o casório ou o ‘Traga um pouco de roupas, separei uma gaveta pra você’. Começam-se o planejamento dos sonhos, a demarcação de território, o “Você me pertence”, os apelidos fofos que vêm acompanhados com vozinhas de bebê. Estabelecem-se as regras (o relacionamento pode ser careta, tradicional, um pouco moderno e até com dois hambúrgueres, alface, queijo e molho especial – desde que você volte pra casa). É nesse estágio que surgem as melhores viagens, o apego ao círculo de amizades do outro, o aval da família ou a auto anulação forever. O sexo não é mais um Cirque de Soleil, não há muitos malabarismos, poucos improvisos, tudo um pouco premeditado. Ainda que numa roda de amigos os outros casais digam que fazem amor loucamente todos os dias, você ri por dentro e sabe que estão mentindo, e nem se incomoda muito com isso porque o vínculo e a instituição família é que está em jogo. 
 
Só o amor não é o suficiente. É a etapa da intolerância, da tendência a autodestruição, do silêncio incômodo em frente à TV, dos assuntos repetitivos, das críticas por bobagens, da desconfiança desnecessária, do ciúmes exagerado (que é o medo de perder dando sinal de vida), do sexo de vez em nunca, do perdão de mentirinha que ressurge com cobranças ainda mais caras, da falta de pequenos gestos, dos elogios que caíram no marasmo, da economia de afetos, do romance que ficou trancado numa gaveta cuja chave se perdeu entre tantas outras coisas. E então surgem os pontos de interrogação, os questionamentos internos, as faltas que surgiram na infância e que empurramos pra baixo do tapete a vida inteira “Outra hora limpo isso” e resolvemos vomitar as nossas frustrações e dar um ponto final porque a nossa história de amor não é mais um conto de fadas. 
 
E o tempo exato pra esquecer alguém… Não dá pra estimar: um dia, um mês, um ano, uma eternidade que poderá nos render boas terapias. Não vamos morrer por isso, ao menos fisicamente. Se você é daqueles que supera uma perda com facilidade: nota 10 pra você, mas como qualquer ser humano não vai escapar do processo de recuperação do amor próprio fazendo dietas mirabolantes, passando horas na academia desafiando os limites do corpo, usando cremes caríssimos pra rejuvenescer a pele, buscando apoio nos amigos, nas drogas sintéticas (tomando algumas balas a mais pra colorir a vida com cores que você não consegue mais enxergar), transando com o maior número de pessoas porque a sua presença não é suficiente e entrando na paranoia de que qualquer desavisado que cruza o seu caminho lhe trará a mesma segurança de antes.  
 
Afinidade – comprometimento – intolerância. Isso é o mínimo que deveríamos saber antes de desistirmos de um relacionamento. Vai acontecer novamente, seja com que for, como num ciclo interminável. Ninguém é obrigado a ficar com alguém que não lhe traga paz de espírito, mas se a gente der vazão à inquietude passaremos a vida experimentando amores instantâneos, destruindo sonhos na mesma velocidade da luz e criando expectativas cada vez mais virtuais, sem fundamentos e com pouca estabilidade emocional. E sim, a vida é curta e a fila anda, mas como já dizia William Shakespeare: “É comum perder-se o bom por querer o melhor”. 
 
Bruno de Abreu Rangel, B.A.R., é escritor, autor do blog barbrazil eestréia em fevereiro a coluna “Meninos de Ferro” na Lado A. Contato: brunorangelbrazil@hotmail.com
 
Bruno Uerba

SOBRE O AUTOR

Bruno Uerba

Bruno de Abreu Rangel é um celebrado escritor carioca e tem três livros publicados. Atualmente ele reside nos EUA e é colunista da Lado A desde 2014.

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