A sociedade primeiro nos diz que não deveríamos existir e nos ensina a nos odiar. Depois, fala que podemos sim coexistir, como se para tanto precisasse de alguma autorização, mas nos impõe que devemos ser discretos. Ser divergente em um mundo dominado por preconceitos não é tarefa fácil.
O primeiro armário todos nós conhecemos: quando a pessoa se percebe homossexual, ou transexual, ou bissexual, e precisa primeiro entender isso dentro dela para assumir o rótulo que lhe foi descrito cheio de qualidades negativas. Primeiro a gente aprende a rejeitar ser tudo aquilo, a se aceitar mesmo não fazendo sentido tanta dor, depois de uma longa fase de negação, para depois contar aos outros. O armário é sombrio, claustrofóbico e cheio de julgamentos. É um verdadeiro peso nas costas, que tem seu preço.
Não é fácil ouvir dos próprios pais palavras de uma rejeição futura e ficar quieto. Aprendemos a viver de migalhas nesta fase, a nos autopunir. E tudo isso nos é gravado de uma forma profunda, mas ao final nos aceitamos, lutamos pelo respeito que nos é muito caro. Dentro de casa, no trabalho, na escola.
Eis que surge um segundo armário, ainda mais cruel. Como nos foi ensinado, precisamos compensar com qualidades a aceitação que nos foi gentilmente dada. Manifestar afeto em público, ser extravagante ou até mesmo discutir sexualidade abala o contrato ofertado pela sociedade que de alguma forma nos aceitou a contragosto. “Seja discreto!”, diz ela.
E é este segundo armário que nos joga uns contra os outros. Primeiro nos ensinaram a nos odiar, depois nos ensinaram a odiar aqueles que, de alguma forma, não respeitam um limite criado em troca do suposto respeito que “conquistamos”. Não toleramos os afeminados, marginalizados, chamativos e afins. “Respeitar para ser respeitado”, dizem alguns. E para acabar com qualquer discussão eles evocam o direito das crianças a não presenciar tudo isso, como na Rússia.
Os “indiscretos” saíram do segundo armário e nos deixaram para trás. Sim, nos colocaram em jaulas invisíveis muito bem forjadas desde que nos ensinam que rosa é cor de menina, que não podemos beijar em público, que homem não chora, que não temos os mesmos direitos se não formos como eles. O armário do gênero é ainda mais complexo, pois se a sexualidade é jogada à intimidade, o gênero faz parte da forma como as pessoas se portam no mundo. E apesar de a sexualidade e seus papeis sexuais nada terem a ver com a questão de gênero, ela entra em discussão quando você cruza o limite do ser macho e ser fêmea em ambiente aberto.
O segundo armário tem portas azuis e rosas. Você não pode ser gay e afeminado. Você não pode ser lésbica e masculinizada. Você aprende antes mesmo de falar em sexo essas regras binárias e é bombardeado diariamente com o código de como deve se portar. Então vem as travestis e quebram tudo isso. Terceiro sexo? Não, apenas pessoas que nasceram e transitam entre esses dois universos artificiais, sendo quem são. Tentando ser felizes.
O segundo armário nos faz fechar as portas e querer não sair de lá. Primeiro porque passamos antes por um longo processo de negociação, estamos cansados, e o mundo lá fora não faz tanto sentido para alguns. Não queremos arriscar o que conquistamos, não queremos ser rejeitados de novo. Por isso temos tanto medo dos afeminados, mulheres de barba, travestis, gênero fluído, andróginos e rejeitamos a hipótese novamente de sermos sequer parecidos. É um segundo armário, que nos lembra algo que jamais devemos esquecer: que a felicidade não se encontra por meio da autonegação. Seja autêntico, viva de verdade a sua história e deixe o outro ser feliz.