Pedro, nome fictício para proteger a criança, não se identificava com as roupas que os meninos eram obrigados a usar na escola. Ele não gostava de futebol, também, esporte que o seu professor dizia que ele precisava praticar porque era um menino. Um dia, suas amigas da escola lhe emprestaram uma calça legging e um sutiã e ele foi para a escola com aqueles itens. A direção não permitiu sua entrada afirmando que seus trajes eram inadequados e convidaram os pais do estudante para repreendê-los pela atitude da criança.
Essa história real aconteceu em uma escola particular da capital paranaense. Ela exemplifica a falta de preparação e conhecimento dos profissionais de educação brasileiros para tratar a diversidade e as questões de gênero dentro da escola. Com bastante frequência, o tratamento dado é a culpabilização da criança ao invés de oferecer respaldo para um desenvolvimento mental sadio. Esses dados aparecem através de números e depoimentos na inédita “Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2016”, da Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.
O estudo será apresentado em uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Paraná no dia 10 de agosto, que contará com diversos representantes de expressão dos movimentos sociais e de entidades públicas. Seus dados mostram os horrores que as crianças LGBTs sofrem em escolas brasileiras. Os/as estudantes eram oriundos/as de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal, com a exceção do estado do Tocantins. Quase a metade se identificou como sendo do gênero feminino (47%), a maioria se identificou como sendo gay ou lésbica (71%) e os/as demais respondentes se identificaram como bissexuais ou como tendo outra orientação sexual que não a heterossexual. A maioria desses/as estudantes LGBT frequentou o ensino médio em 2015.
Estudo e dados
Por meio de um questionário on-line, 1016 estudantes LGBT, entre 13 e 21 anos, de escolas públicas e particulares brasileiras apresentaram sua percepção sobre o tratamento recebido por professores, colegas, diretoria e família com questões relacionados à diversidade na educação. Os resultados são alarmantes e preocupam pelo número de agressões verbais e físicas e as baixas respostas de familiares e escola quanto aos problemas.
Com relação à orientação sexual, cerca de 73% dos jovens afirmaram ter sofrido algum tipo de violência verbal, já 27% sofreram violência física. Desses, mais de 35% responderam que ou a família nem chegou a entrar em contato com a diretoria da escola ou a resposta da escola foi ineficaz e não evitou novos problemas ou casos.
Já os dados sobre a violência com relação à identidade de gênero não são tão altos, mas vale considerar que são tão preocupantes quanto, se não, mais ainda. Homens cis, mais especificamente, não sofrem problemas por conta da sua identidade, por isso os dados não são tão altos. Mas quando o assunto é a transexualidade, as mulheres e as travestis, a violência de gênero dispara. 55% dos entrevistados afirmaram ter ouvido comentários negativos sobre a transexualidade dentro da escola.
68% dos estudantes foram verbalmente violentados por conta da sua identidade de gênero. E, o mais preocupante: 56% dos estudantes LGBTs foram assediados sexualmente por colegas dentro da escola.
Insegurança
Aparentemente, as escolas não contam com políticas estudantis para combater o preconceito. Mais de 600 entrevistados relataram que, na sua escola, não há nenhuma disposição no regulamento da escola para combater o preconceito. Todo esse ambiente opressor gera problemas como depressão, resultados ruins na escola, exclusão social, bipolaridade, entre outros.
São mais de 60% dos entrevistados os que se sentem inseguros na sua escola. Os/as estudantes tinham duas vezes mais probabilidade de ter faltado à escola no ultimo mês se sofreram níveis mais elevados de agressão LGBTfóbica (59% comparados com 24% entre os/as que sofreram menos agressão).
“Me senti insegura, mal, como se não fosse útil, e como se a minha vida não fizesse sentido. Me sinto como se ninguém ligasse pra mim, me sinto sozinha, afundando em uma piscina de areia movediça. Não consigo subir, quando eu tento subir a areia me puxa de volta. Às vezes só queria o fim da minha vida”, relato de uma estudante bissexual de 15 anos do Rio Grande do Sul que respondeu a pesquisa. A insegurança diz respeito não só à orientação sexual, mas também à expressão de gênero, ao peso, raça e religião. Ou seja, a intolerância é geral. 73% foram agredidos/as verbalmente; e 36% foram agredidos/as fisicamente.
Recomendações
O estudo finaliza com algumas recomendações que serão apresentadas e defendidas na audiência. A formação continuada, buscando a capacitação dos profissionais, é uma das soluções oferecidas. Mas vai muito além, é preciso mais verba para pesquisas e mapeamentos sobre a intolerância e os casos nas escolas do Brasil, assim como a oferta de materiais didáticos e campanhas municipais e estaduais de conscientização nas escolas. 39% afirmaram que nenhum membro da família falou com alguém da equipe de profissionais da escola quando o/a estudante sofreu agressão ou violência.
A pesquisa foi realizada concomitantemente em outros cinco países da América Latina (Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Colômbia), e ainda será realizada no México, permitindo um retrato regional da situação de adolescentes e jovens LGBT no ambiente educacional. Esta mesma pesquisa vem sendo realizada nos Estados Unidos há 25 anos.