O grupo Médicos pela Democracia está enfrentando uma árdua luta pela autonomia dos enfermeiros. Segundo uma liminar recente, expedida pelo juíz Renato Borelli atendendo ao pedido do Conselho Federal de Medicina (CFM), enfermeiros nao têm mais autonomia para requisição de consultas, exames ou revalidação de receitas médicas. Na noite desta quinta-feira, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região derrubou a liminar depois de parecer da Advocacia-Geral da União contra a liminar da 20ª Vara Cível do Distrito Federal. Mas a ação ainda será julgada pelo TRF.
A liminar aprovada há uma semana causou grande discussão e a maior crítica é que esse processo tira a autonomia do Sistema Único de Saúde, SUS, e contribui para sua extinção, conforme análise do Médicos pela Democracia. Uma outra crítica é a de que, restringindo a atuação dos enfermeiros, alguns exames de urgência como testes de HIV estariam comprometidos, tornando-se mais burocráticos e indo na contramão de campanhas de conscientização e incentivo ao teste. Tanto a solicitação do exame, a entrega do resultado e o pedido para a dispensa do medicamento, deve ser feitos exclusivamente por um médico, diz a decisão.
Para um dos integrantes do movimento contrário à liminar, o médico Silvio Lopes, a proposta “cria uma insegurança jurídica da prática de enfermagem enorme. Há mais de 20 anos, as enfermeiras e os enfermeiros realizam procedimentos, dentro da sua consulta de enfermagem, tanto de solicitação de exames e diagnóstico sindrômico [que parte da observação de sinais e sintomas] baseados em protocolos muito bem estabelecidos e validados”, declarou para o jornal Brasil de Fato. Outra posição é a da enfermeira Letícia Rangel, da Unidade de Saúde da Família São Judas Tadeu, na Bahia. A profissional explica que sua rotina está diretamente em contato com os pacientes, entendendo os processos e procedimentos de seu quadro clínico na ausência de médicos, que por sua vez, não estão em grande quantidade ou disponibilidade para atender a grande demanda do Sistema Único de Saúde (SUS). Com relação à liminar do juíz Renato Borelli, a enfermeira entende que possui suas limitações profissionais mas que o seu trabalho, tal como é configurado atualmente, é essencial para o funcionamento das instituições de saúde. “A gente realiza diagnóstico de enfermagem, que é totalmente diferente do diagnóstico do médico. Se a gente não tem mais esse subsídio para realizar isso, a gente não consegue criar um plano de cuidados adequado para esses usuários e a limitação é enorme, seja no acesso dos usuários ao serviço, no aumento da agenda dos médicos ou na sobrecarga de trabalho”, disse.
É importante salientar que mais de 85% dos quadros de enfermagem são compostos por mulheres. Quando da onda conservadora que vem ascendendo no Brasil, pode-se considerar a possibilidade de restringir cada vez mais o acesso de mulheres aos postos de trabalho, colocando-as novamente dentro de casa, limitadas ao serviço doméstico. Por outro lado, entidades médicas e movimentos de especialistas, como o Médicos pela Democracia, reconhecem a importância inquestionável da enfermagem para seu trabalho. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) também está unindo forças para recorrer da decisão.
A liminar, no entanto, está causando transtorno aos maiores interessados: o povo. Em alguns postos de saúde, já estão sendo registrado atrasos no atendimento. É o caso da paciente Graciane Souza, do Rio de Janeiro. “A menina da recepção falou que os médicos estavam em reunião. Ela falou que eles iam voltar duas horas, três horas da tarde. Depois, disse que não tinha médico pra atender, que era pra eu ir pra uma maternidade”, disse em entrevista ao G1. Em Curitiba, exames de rotina estão sendo atrasados ou deixados de serem realizados, e no caso do enfrentamento de epidemias, isso é grave.