Mais denúncias sobre homofobia nas escolas do PR

Redação Lado A 31 de Março, 2006 03h05m

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Educação Caótica


Um estudante completa as denúncias de homofobia nas escolas do Paraná. Dois professores fizeram comentários maldosos sobre gays na escola onde ele estuda. Primeiro, o professor de física usou um casal heterossexual para explicar a atração de prótons e elétrons (opostos se atraem e iguais se repelem). Segundo o professor, é como um homem e uma mulher, dois homens não se atraem, nem duas mulheres, não dá certo. Ao ver que os alunos contestavam o exemplo dado, justificou que a física era um mundo “normal”.


 


Em outra aula, uma professora estava a ler a Bíblia e ouviu uma conversa entre os alunos. E perguntou: “Você fala assim com a sua namorada?” E o rapaz respondeu, “não, com o meu namorado”. A professora diz “credo!” e fim de conversa.


 


Aos Digníssimos


Vou ficar falando aqui sozinho até que aconteça uma desgraça em um colégio?



Leia o primeiro e-mail enviado por um aluno da rede estadual de ensino:



Como mudar a cultura de séculos?


 


Há momentos em que nós esquecemos que somos gays, em que esquecemos que o preconceito ainda existe, que achamos estarmos livres. Em certos momentos, olhamos para o lado e dizemos: “puxa, ele me respeita, assim como respeita o outro lado, o lado dele.” De repente, acordamos e vemos que nada disso existe a ainda não passa de um sonho.


 


Hoje no colégio tive essa confirmação. Tenho vários amigos onde estudo. Alguns sabem que sou gay, outros não. Na entrada da primeira aula, fiquei no pátio jogando um pouco de conversa fora com um grupo de amigos. No meio da bagunça, risos e estórias, caímos no papo de Festival de Teatro, peças e, mais afundo, em peças gays. Uma amiga minha (que sabe da minha orientação sexual) me chamou para ir ver uma peça com temática gay que ira acontecer dentro uma boate e eu topei no meio de todos.


 


O que há de mais? Para mim nada. Mas os comentários que escutei não foram dos mais amigáveis; “O que? Você  sabe que tipo de coisa que vai lá?”, “E se te atacarem ?”, “Nossa, se eu fosse, soltava uma bomba lá”.


 


O meu silêncio foi absoluto. Os olhares daquela minha amiga foram de ódio mortal. Ódio de saber que ainda existem pessoas, com esse pensamento distorcido. E que não mudam de idéia pois só vêem gays como promíscuos e inferiores a eles (idéia sustentada pela mídia que mostra homossexuais como palhaços, que gostam de uma boa sacanagem e usam “somente calças de couro”).


 


Depois do silêncio, me dirigi até a sala de aula. Assisti  minhas aulas normalmente, voltei para o meu mundo perfeito, de um simples garoto, estudante, “que não usa calça de couro”, não é promíscuo e não se faz de palhaço, ou tem traços do comportamento feminino, ou boca suja de onde só saem palavrões de alto calão.


 


Estava tudo normal.  Eu só era mais um garoto na sala a prestar atenção nas palavras que o professor de geografia dizia, a fazer anotações no caderno , a virar para o lado e dar uma olhada para os amigos.


 


No meio da aula, o que havia ocorrido na entrada já tinha se dissipado da minha mente. Já estava no meio das lições que o professor passava sobre países que ainda eram colônias. Ele explicava sobre como ainda hoje algumas nações querem ter poder sobre as outras, se achando superiores, donas da verdade, impondo sua cultura sobre a cultura alheia.


 


Meio distraído em meus pensamentos fiquei me auto-interrogando. Como alguns povos podem ainda hoje fazer isso, afinal, a era imperialista já passou. Como um adivinho, o professor respondeu minha pergunta. Não diretamente, mas ainda assim mais direto do que eu poderia imaginar.


 


No meio das explicações, o professor começou a falar de um assunto bem  atual. O caso de dois homossexuais que foram espancados em Curitiba, e que ao pedirem ajuda à guardas municipais, apanharam ainda mais. Os “policias” não só bateram neles como os prenderam por estarem sendo agredidos, que estranho  não acha? (irônico, você apanha mais por estar sendo espancado na rua)


 


O professor continuou falando sobre o assunto, dizendo que era absurdo, como uma coisa que aconteceu há mais de cem anos, onde uma nação se achava melhor que a outra e empunhava sua cultura sobre outras noções, acontece até hoje. Onde um heterossexual se acha superior a um homossexual. Impõe sua cultura de ser hétero, obrigando os homos à serem héteros, nem que para isso acontecer haja violência física, verbal ou exclusão social.


 


Minha pergunta estava respondida. E mais diretamente relacionada a mim do que eu pensava. E o professor continuou: “Olha gente, como pode um ser humano matar o outro?” foi quando o papo já saia de Curitiba e ia para os campos de concentração onde milhares de homossexuais foram mortos, milhões de judeus.


 


A minha pergunta era respondida novamente. Foi quando um grupo de garotos começou a se manifestar na sala, dizendo que o certo era isso mesmo, “Viado tem que morrer!”,”Se eu vejo um bicha, espanco até a morte”.


 


Onde estou, o que sou??


Será que estou em um campo de concentração? E o que sou? Não posso ser o que sou se não vão me matar?! Como que eu deixo de ser o que sou? Eu não quero ser morto. Morto pelos meus amigos, morto pelas mesmas pessoas que passam 4 horas por dia, 5 dias na semana, 22 dias no mês, as mesmas convivendo comigo na mesma sala de aula naquele instante.


 


Porque o professor não tentou mudar a idéia deles?  Será que eles estavam certos do que falavam? Porque o sábio que ensina o certo todos os dias não os criticou? Eles estavam certos? Quando eu estava com a esperança de mais uma resposta o professor mudou de assunto. Nesse momento ficou mais intenso o manifesto de gritos, de aversão, de morte aos homossexuais.


 


Eu, sentado na cadeira, observava tudo. Lembrava da hora da entrada, dos comentários  que eu ouvira se repetirem ali, na minha sala. E a esperar ser defendido por alguém. Ficava só escutando os berros que vinham diretamente a mim, mas que só eu sabia.


 


E se eu tivesse tentado dizer que não era assim, que não podia ser assim? Eles iriam logo notar e quem sabe eu não estaria na cama de um hospital agora, vítima de um grupo que se acha melhor e que quer impor sua cultura sobre nós homossexuais. Uma sociedade que julga e condena a dominação da cultura americana sobre o mundo “dizendo fora Bush”  mas que não respeita a própria diversidade do país, querendo a homogeneização nazista no Brasil.


 


Entre todas as perguntas desse dia confuso (e real), uma, eu não consegui responder. Onde devemos combater o preconceito? Nos adultos de idéias formadas ou nos jovens que estão formando suas idéias? No professor que ficou calado ou em mim? Será que eu devo mudar, você sabe como fazer isso? Não tenho o direito de ser quem eu sou? Me esconder vai adiantar? Sou obrigado a continuar a ouvir as idéias erradas que as pessoas têm dos gays?


 


Será que ficar calado e ver tudo de cima do muro vai mudar algo? Mas e se eu disser e for morto? Cadê minha segurança?


 


Entre tantas perguntas, eu fui para casa, cheio de dúvidas e problemas, esperando ajuda, entendimento. Esperando que um dia eu possa ser só mais um aluno comum à todos, não quero ser especial, só quero ser Eu. Um  garoto que assim como todos os outros merece respeito.


 

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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