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Dia desses, no happy hour, tomando uma cerveja com uma amiga, teci alguns breves julgamentos morais por ela criar perfis fakes no Grindr e no Tinder para aliciar jovens gays. Não apenas porque a mentira tem perna curta, mas porque, especialmente, a mentira dela também não tem 25 cm, não se chama Rodolfo e não é bombado. Se chama Glaucia, é mulher, hétero, cristã e péssima mentirosa.
– Eu não estou mentindo! Eu estou fazendo ficção com a boca! Quer dizer, com os dedos, porque eu ainda não enviei áudio pra ele, lógico. E você deveria me apoiar!
– Mas as relações humanas devem ser baseadas na sinceridade e…
– Miga, você acha, MESMO, que o 24cm_moreno_alto_discreto, solteiro, que tem gosto eclético para música, pensa que não se discute política e religião e procura algo casual com rapaz também discreto é sincero?
– E não é?
– Claro que não! Você não entende nada de homem, mesmo! Nem de Tinder! Moreno, significa que ele tem marca de manga de camiseta. Solteiro e discreto, ou é casado ou enrustido. Eclético, ouve sertanejo universitário e sambô. Diz que política e religião não se discutem, pode saber, fala mal de macumbeiro e faz arminha com a mão. Certamente, tem menos de 1,80cm e menos, bem menos de 24cm.
– … ?
– Esse da vez é bem bom, até, tem foto com cachorro, tímido e discreto, ouve Lady Gaga na playlist. Ou seja, vai ser bom pai e curte divas pop.
– Mas o que adianta mentir? Quando vocês marcarem um encontro, vai tudo por água a baixo.
– Pare! Sei o que tô fazendo. O primeiro passo é descobrir se é casado. Se for, troco uns nudes fakes e já descarto.
– Certo, e daí?
– Se for só enrustido, mesmo, aí eu marco de sair.
– Interessante. E quando ele descobrir que você não é homem, acontece o quê?
– Aí é que tá o pulo do gato, quer dizer, da gata, aqui ó: O Guto, meu perfil, crossfiteiro, vegano e eclético, dá um bolo nele. Eu surjo, linda e vulnerável. Puxo assunto, comento do pé na bunda terrível que levei. Ele vê a oportunidade de me pegar e, quem sabe, se tornar um enrustido casado e protegido dos julgamentos da sociedade. Tô fazendo um bem pro moço, no fundo.
– Miga, você teria MESMO coragem de casar com um cara gay! Cê jura?
– Claro que sim! É perfeito! Eu realizaria meu sonho de casar de noiva! E, pensa bem, casada, eu posso continuar com o Marcão sem levantar suspeitas.
– Ou, talvez, já é hora de você e o Marcão resolverem esse caso, não acha?
– Mas o Marcão não gosta das divas pop, miga. Nem paga pensão direito. E não discute política e religião. Mas não mente os centímetros, isso não. E nunca vai largar da mulher. Eu quero mais. Quero véu, grinalda, renda. Noivo de terno italiano. Que nunca vai se separar de mim nem questionar a paternidade dos nossos bebês porque sou sua tábua de salvação. Família tradicional, sabe?
– Tradicional ou ficcional?
– Cruzes, vocês lésbicas não entendem nada de família, mesmo!
Camila Mossi
SOBRE O AUTORCamila MossiCamila Mossi é gaúcha, cronista, lésbica, casada com a Nádia, amor de sua vida. Seu maior sonho é conhecer o Verissimo e convencê-lo de que é sua filha. Doutoranda em Letras pela UEM, mestre, especialista e licenciada em Letras pela UEL. Pedagoga pela Unifil. Ministra palestras e oficinas de escrita criativa e de incentivo à leitura. Autora premiada, adora receber e-mails: camilamossi@yahoo.com.br |
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