A perigosa política niillista do cancelamento nas mídias sociais

Redação Lado A 03 de Agosto, 2020 13h10m

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Não é de hoje eu o ser humano pratica o linchamento moral ou a perseguição a quem julga opositor de suas ideias. A antiga polarização Direita-Esquerda construiu nos anos recentes uma verdadeira muralha com a internet. O cyber bullying passou a atingir celebridades e pessoas comuns que são “canceladas” por algum posicionamento ou opinião. Até situações do passado são resgatadas para cancelar alguém.

A mais nova vítima do cancelamento foi a cozinheira Paola Carosella, do Master Chef Brasil, que ousou se manifestar contra uma carne produzida por impressoras 3D de uma marca de fast food. Ela, que já havia se manifestado a favor do veganismo, foi alvo de tanta perseguição online que teve seu contrato de um programa de TV cancelado. Mas a lista de cancelamentos não para por aí. A impressão que se tem é a de que uma reputação e histórico valem menos do que uma postagem na internet. O niilismo é uma doutrina que traz muito desta prática.

O niilismo (do latim nihil, nada) é a desvalorização e a morte do sentido, a ausência de finalidade e de resposta ao “por quê”. Os valores tradicionais depreciam-se e os “princípios e critérios absolutos dissolvem-se”. “Tudo é sacudido, posto radicalmente em discussão. A superfície, antes congelada, das verdades e dos valores tradicionais está despedaçada e torna-se difícil prosseguir no caminho, avistar um ancoradouro”, refere-se o filósofo Rossano Pecoraro em seu livro Niilismo.

Com o advento das redes sociais, a produção de conteúdo passou das mãos dos profissionais da comunicação para as mãos de todos. E um dos riscos dessa revolução é o surgimento desinformação e de práticas extremistas. Um grupo radical encontra ecos para suas ideias e com o auxílio do engajamento atrai mais e mais seguidores.

A política do cancelamento é acima de tudo uma questão de valores onde o homem se coloca na posição de um semi Deus, capaz de julgar e condenar o outro, sem avaliar as consequências disso. Aliás, a derrocada alheia é comemorada. Desumaniza-se uma opinião, a discussão e a ela se dá a força de uma arma com objetivos de aniquilamento. Nada que a pessoa fez antes presta, ela não vale nada.

Essa cultura online nasceu em 2017 da hashtag #metoo, eu também em inglês, onde mulheres passaram a divulgar o assédio sexual e agressão, e se apoiavam dizendo que também foram vítimas. Mas ela é comum desde a Antiguidade e acompanha a história da humanidade. Jesus Cristo mesmo foi cancelado por toda Jerusalém, um bom exemplo de linchamento moral coletivo com resultados trágicos. E o que não faltam nos dias de hoje são pessoas para jogar a tal primeira pedra.

Apesar de trazer benefícios práticos de forçar as pessoas a se manifestarem sobre opinião ou atos questionáveis, ter poder de denúncia e fortalecimento de minorias, a política do cancelamento cria medo nas pessoas. Pessoas comuns passaram a evitar temas e discussões políticas, dando mais espaço aos extremistas. As celebridades passaram a apoiar causas nobres a fim de melhorar suas imagens perante a opinião pública e esperam para opinar de forma segura. Vale tudo para uma celebridade deixar de ser cancelada, afinal, elas vivem da popularidade, sobretudo dos seguidores online.

E quem é cancelado passa ao limbo, paga um preço alto em sua saúde mental. A perseguição pode levar à depressão e ao suicídio. Não é saudável para quem é cancelado pois precisa nesta hora contar com apoio externo que muitas vezes não vem. “Ele que lute” é uma das respostas comuns quando se cancela alguém, dando a entender que não há solidariedade aos cancelados.

Na infância, todos tivemos aquele momento em que um amiguinho briga com o outro e começa assim uma disputa, onde se você falar com a pessoa excluída você acaba sendo também banido do grupo. A política do cancelamento é sobretudo infantil, pois não promove qualquer tipo de direito à defesa e quem apoiar o cancelado sofre represália do grupo que o cancelou. É puro bullying na maioria das vezes.

Redação Lado A

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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