Um drama com um drama maior ainda em sua história. Há quase um século, na Alemanha pré nazista, o filme “Anders als die Andern” (Different from the others), de Richard Oswald e Magnus Hirschfeld, 1919, ousou ao abordar o romance de dois homens. O filme que era parte de um trabalho militante do artista e do médico judeu, que incluía filmes de saúde para homossexuais, e foi o primeiro no cinema a abordar a homossexualidade em um tempo que ser homossexual era considerado um desvio de caráter e doença, além de crime. Em 1897, o médico fundou o Wissenschaftlich-humanitäres Komitee (“Comitê Científico-Humanitário”), com objetivo de derrubar o parágrafo 175.
O sexólogo gay que desafiou grandes psiquiatras com suas teorias sobre a homossexualidade e questionar as leis, teve quase todo o seu trabalho perdido quando os nazistas chegaram ao poder em 1933 e promoveram diversos incêndios em suas bibliotecas e institutos. O próprio filme “Diferente dos outros” teve todas as suas cópias queimadas e apenas uma sequencia não finalizada da película sobreviveu, graças a ter sido misturada com outros filmes de saúde. Hirschfeld foi morto na França, em 1935, por um soldado da Gestapo. Entre suas teorias está a do terceiro sexo, de que as proporções homem e mulher variam nos dois sexos em todos os indivíduos.
No filme, Paul Körner, violinista, vê muitos se matando e pensa que não vale a pena viver para eles por causa da lei que criminaliza os homossexuais. Tchaikovsky, Leonardo da Vinci, Oscar Wilde, Friedrich II da Prussia e Ludwig II da Bavária, entre outras personalidades, aparecem na tela. Körner se apaixona por seu aluno, o jovem Kurt Sivers, levado pelos pais para estudar violino. Seus pais tentam convencer ele a se casar com uma jovem rica. Seus pais então vão a um médico que explica que ser homossexual não tem nada de errado. Um homem vê o professor e o aluno de mãos dadas em um parque e começa chantageá-lo. A família do jovem o proíbe de vez o rapaz de ver o violinista, o aluno decide viver sozinho. A irmã de Kurt se apaixona por Paul e é rejeitada. O homem continua a chantagear Paul e os dois acabam em um julgamento. Pressionado e sem Kurt, Paul se mata. Kurt vai ao enterro de Paul e a família do morto o rejeita, até que o convencem a fazer Justiça, lutando contra a lei que o matou.
No filme, o amor dos dois é mostrado com sutileza, mas muitas cenas foram perdidas. Eles tentam mudar quem são mas não conseguem e se aceitam. “Você não pode condenar seu filho por ser homossexual, ele não tem culpa por sua orientação. Ele não está errado e isso não deveria ser crime. Na verdade, nem mesmo é uma doença, somente uma variação, e uma que é bem comum na natureza”, diz o médico no filme em que faz participação especial.
O filme está sendo restaurado por um projeto da Universidade da Califórnia, mantido com verba da comunidade gay. Como não se tinha noção da montagem original, o projeto tem recriado o filme com um roteiro alternativo. Os pesquisadores se surpreenderam pelas idéias de Hirschfeld que apenas ressurgiram no final do século XX, com novos autores, já que parte das pesquisas do estudioso nunca foi recuperada.
Confira a obra restaurada: